“Desenvolver a criança para desenvolver a sociedade”. Essa é a máxima da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, que atua há 50 anos no Brasil e há mais de dez anos com foco na primeira infância.

Parte do trabalho realizado pela fundação é conscientizar a sociedade sobre a importância da primeira infância. A ciência demonstra que o desenvolvimento nessa fase da vida é fortalecido pela existência de bons relacionamentos entre o adulto e a criança e que o vínculo é um elemento fundamental nesse processo. Ambientes desprotegidos, negligência, desamparo, problemas ambientais, relacionais e biológicos durante a gestão e nos primeiros anos de vida, bem como creches e escolas de má qualidade, representam ameaças importantes ao desenvolvimento infantil. O relacionamento amoroso entre pais e filhos protege as crianças dos problemas que mais perturbam o desenvolvimento infantil, como a violência, falta de infraestrutura de saúde e educação.

foto de criança correndo

Foto: Internet

O Muda Tudo conversou com a gerente de comunicação da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Roberta Gazola Rivellino, durante o evento Repensadores realizado no CIVI-CO em São Paulo. Roberta nos contou sobre a missão de gerar e disseminar conhecimento para o desenvolvimento pleno da criança na primeira infância.

Roberta Rivellino

Roberta Rivellino Foto: divulgação

Graduada em Turismo e pós-graduada em Marketing e Gestão de Recursos Humanos, Roberta traz no nome e no sangue o talento e a determinação de uma campeã. Filha do craque Roberto Rivellino, tricampeão mundial pela Seleção de 70, ela veste há 3 anos a camisa da Fundação.

A organização foi fundada em 1965, depois que a filha de Gastão Eduardo Vidigal e Maria Cecilia, teve leucemia e faleceu. “O objetivo inicial da Fundação era de incentivar a pesquisa na área da Hematologia”, relembra Roberta.

“Durante 40 anos a Fundação se dedicou a montar laboratório, biblioteca e realizar pesquisas para descobrir a cura da doença. Depois da morte do patriarca, quando a segunda e a terceira gerações assumiram a Fundação, o foco do trabalho mudou. Na época existiam poucas fundações com fundo patrimonial”.

“Eles queriam algo que tivesse a ver com a construção do futuro do país, e nessa época, estavam saindo as primeiras descobertas científicas sobre a importância da primeira infância. Foi então que, a partir de estudos e reflexões, a Fundação passou a se dedicar à promoção do desenvolvimento da primeira infância.”

MT: Roberta, o que é considerado primeira infância?

RR: Primeira infância é o nome dado aos primeiros anos de vida, da gestação até os seis anos de idade. Nós fizemos uma pesquisa e descobrimos que somente 14% dos entrevistados sabiam bem a importância dessa idade para o desenvolvimento da criança. Muitas pessoas não avaliam a importância do desenvolvimento do cérebro infantil durante o primeiro ano, focando somente no crescimento físico e nas habilidades do bebê.

bebê dormindo com boneco de pelúcia

Foto: internet

MT: E como vocês fazem para conscientizar as pessoas sobre a importância dos primeiros anos de vida para o cérebro da criança?

RR: A gente cria, traduz, sistematiza e dissemina conteúdos sobre a primeira infância com o objetivo de sensibilizar a sociedade, capacitar gestores públicos, sociais e privados, gerando argumentos e subsídios para que reconheçam, defendam e atuem em prol da causa. Investimos em capacitação e treinamento para que lideranças públicas, sociais e privadas possam criar, fortalecer e qualificar políticas e práticas em prol da primeira infância. Apoiamos, por meio de editais e parcerias, pesquisadores, profissionais e empreendedores para que criem produtos e serviços que resolvam problemas da sociedade. Realizamos ações articuladas com os diferentes setores porque acreditamos que os avanços pela primeira infância podem acontecer de maneira efetiva quando trabalhados conjuntamente.

MT: Dá um exemplo?

RR: Nós temos uma parceria com uma agência do governo do Canadá, desde 2013, por meio do programa Saving Brains/Grand Challenges Canada, e lançamos um edital que busca iniciativas inovadoras em todo o mundo que contribuam para o desenvolvimento infantil. Pesquisadores, empreendedores ou uma ONG podem submeter um projeto. Por exemplo, um projeto de visitação domiciliar, para empoderar os pais no papel de agentes de desenvolvimento social, focado em melhorar a interação entre pais e filhos. Esses projetos passam por uma banca e, se aprovados, recebem nosso investimento. Durante 24 meses nós acompanhamos esses projetos, testando e avaliando cada um. Se o projeto gera impacto naquilo que se propõe a fazer, buscamos a forma de fazer uma segunda injeção de investimento para escalar o projeto, ou de fazer uma mobilização, para que se torne política pública.

anúncio chamada de propostas da Saving Brains

Cartaz do edital da FMCSV e o governo do Canadá

MT: Conta um case específico de um projeto que está sendo escalado.

RR: Uma economista, que trabalha junto à Universidade de Medicina da USP, montou um programa de visitação domiciliar que foi implementado na zona oeste de SP. Um trabalho feito para que os pais entendessem a importância de estimular as crianças por meio de brinquedos e atividades lúdicas. Esse projeto teve como base um programa realizado na Jamaica, que já tinha sido avaliado com sucesso, e foi adaptado para a nossa realidade. O projeto foi testado com 900 crianças de São Paulo e agora está sendo escalado no município de Boa Vista, em Roraima, para atingir cerca de 8.000 crianças. Esse é um projeto que vai virar política pública na cidade. Então a gente faz primeiro o trabalho de investimento, depois de mentoria e consultoria ao longo de todo o ciclo do projeto.

MT: Qual o maior desafio para implementar um projeto assim?

RR: A gente trabalha com uma perspectiva de médio para longo prazo. No Brasil nós temos o problema do ciclo político de 4 anos, muito curto para projetos como esses. Às vezes um projeto está terminando seu primeiro ciclo, precisaria de mais uns 2 ou 3 anos para mostrar sua consistência e aí muda o governo e acaba tudo. É muito importante termos uma política de longo prazo, independentemente de quem está no poder. O problema nosso é o imediatismo, o que dá voto.

MT: O que poderia ser feito para mudar isso?

RR: Precisa ser feito um trabalho de articulação muito forte com quem está efetivamente na linha de frente, mobilizar aqueles profissionais das prefeituras que ficam nos cargos, independentemente da troca de partido. E como envolver essas pessoas? Como envolver a sociedade, para exigir que esses programas continuem? Tem um projeto de muito sucesso na região Sul do Brasil, que é o Primeira Infância Melhor, que está funcionando há 14 anos porque a sociedade entendeu que ele é fundamental e exige a continuidade dele. Existe uma força da sociedade que diz ao novo prefeito: “nisso aqui você não mexe!”

 

 

MT: Desde que entrou na Fundação, você viu alguma mudança para avançar mais nesse sentido?

RR: Sim. Houve mudanças. E elas se dão de forma crescente. Posso citar uma conquista: a aprovação do Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016), em 2016. Dentre os avanços previstos estão: trazer para as políticas públicas uma cultura do cuidado com a criança, do nascimento aos seis anos, prezando pela qualidade de vida e consolidação dos vínculos afetivos e do estímulo para o desenvolvimento integral; fomentar a articulação de políticas para integrar ações, para construir um cuidado e um atendimento integrais; um olhar de destaque às famílias e aos adultos de referência para que recebam subsídios e apoios formativos, visando fortalecer seus papéis junto às crianças. No entanto, tirar a Lei do papel tem sido o grande desafio dos gestores e lideranças públicas, seja pela escassez de recursos públicos, com a crise econômica sem precedentes que vem abalando o país há alguns anos, seja pela dificuldade em estabelecer prioridades, diante de tantos problemas a serem enfrentados.

Mudar tudo é possível. É preciso acreditar. É preciso fazer. É preciso insistir.

Durante o evento, Roberta apresentou o documentário “O Começo da Vida”, apoiado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e por outras organizações, como o Instituto Alana e a Unicef. E mostrou um case de grande sucesso na ideia de traduzir a ciência para a sociedade, usando a emoção e atingindo, assim, uma grande quantidade de pessoas.

O documentário “O Começo da Vida“, lançado em maio de 2016 e que pode ser visto na internet, conta com 170 entrevistas em 6 idiomas, e está disponível em mais de 90 países, com 23 traduções. O filme percorre os quatro cantos do mundo, para mostrar a importância da primeira infância na formação de cada indivíduo.

“A gente queria fazer um filme e acabou fazendo um movimento.” Conta Roberta, emocionada com o sucesso do projeto.

“Ninguém ficou dono da causa porque a causa era de todo mundo”, explica no momento em que fala sobre o patrocínio de marcas como a Huggies, a Johnsons, a Natura… “Todo mundo apareceu junto”.

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