Uma revolução está acontecendo bem debaixo do nosso nariz e muita gente nem percebeu ainda.  É a revolução da longevidade. Você sabia que o Brasil já tem uma população de 30 milhões de idosos? E imagine que a projeção do IBGE era de que o país só atingiria este número em 2025.

“É mais do que as populações do Chile e do Uruguai juntas.” 

A declaração vem com um sorriso de quem há pouco mais de 2 anos enxergou o potencial da turma acima de 60 anos e do mercado da longevidade. Layla Vallias é uma das fundadoras da Hype 60+,  uma empresa de marketing especializada no público sênior e que agora faz parte do espaço de inovação social CIVI-CO, em São Paulo.

Layla Vallias: Desde muito tempo eu queria trabalhar com este público, sempre me dei bem com pessoas mais velhas,  cresci  com pessoas mais velhas, mas não sabia como trabalhar com elas.

Foto da sorridente Layla de óculos de grau estilosos, grandes e transparentes

Layla Vallias, co-fundadora da Hype60+ Foto: divulgação

Layla tem 27 anos, mas já soma uma experiência de vida de pessoas, como dizer, mais velhas.  Será por que, né? Mas o jeito calmo e doce da jovem mineira engana.  Aos 19 anos ela decidiu se casar e mudar para São Paulo.  E foi na capital paulista que Layla encontrou seu propósito: trabalhar com o mercado da longevidade.

Layla Vallias: Eu fazia direito em Belo Horizonte, aquela coisa bem tradicional. Aí vim pra São Paulo e resolvi mudar tudo. (risos) Eu estava trabalhando com comércio exterior, mas tinha um sonho antigo de trabalhar com antropologia, sociologia. Vi um curso de ciências sociais na USP. Adorei, mas acabei vendo que era mais de política e não sobre gente, como eu queria.

Casal branco de idosos felizes, homem abraçando e beijando a mulher no rosto

Foto:Pixabay

Muda Tudo: E como você chegou no tema “gente” e na longevidade?

LV: Eu fiz a faculdade de marketing. Desde o primeiro semestre trabalhei com pesquisa, num projeto com a ONG Gastromotiva. Foi lá que eu pensei: “quero trabalhar com gente e com impacto social”. Depois eu fui pro grupo Abril e comecei a migrar para o mundo digital para entender qual o impacto das pegadas digitais através da netnografia,  que me fez entender as personas dentro das redes sociais.

Muda Tudo: Então você foi trabalhar com gente, só que no mundo virtual…

LV: É que hoje você mostra muito do que você é nas redes sociais. As pessoas nem sabem que estão deixando dados, mas eles estão ali para serem analisados. É muito interessante…

Senhor japonês de boné sentado ao lado da sua bicicleta em um parque

Foto: Pixabay

MT: E como caiu a ficha de trabalhar com o mercado da longevidade?

LV: Uma especialização em marketing digital na Universidade NYU, em Nova Iorque, onde fiz uma grande amiga, de Singapura. Ela me mostrou o que estava acontecendo na Ásia com relação ao mercado do envelhecimento. Eles chamam de economia prateada.

MT: Bonita expressão …

LV: Sim, né? O Japão já é um país envelhecido há muitos anos então eles estão bem preparados para acessibilidade, novos trabalhos…

MT: E no Brasil, como a longevidade é vista?

LV: No Brasil a população começou a envelhecer e a gente ainda não está fazendo tantas coisas com essa realidade.

MT: E foi por isso que você criou o Hype 60+?

LV: O Hype 60+ surgiu de um encontro muito feliz. Quando voltei para o Brasil, fui trabalhar na Endeavor, onde conheci minha sócia, Bete Marin.  Ela vem do marketing também, tem uma agência de publicidade há mais de 10 anos, e sempre quis trabalhar com o grupo sênior, mas não sabia por onde começar. Quando a gente descobriu que tinha a mesma vontade de tornar o Brasil mais inclusivo para o sênior, a gente disse: “vamos ficar juntas!”

MT: Desse ponto até a criação da empresa, como foi o processo?

LV:  Passamos a nos encontrar nos finais de semana, à noite, sem saber ao certo o que iríamos fazer. Mas a primeira coisa que fiz foi me voluntariar em alguns centros que trabalham com esses grupos. Primeiro foi um que chama Lab 60+. Eles são da sociedade civil e têm reuniões mensais com um grupo sênior, para mostrar iniciativas, projetos. Eles fazem um evento anual e eu passei a ajudar na parte de mídias sociais. Eu e Beth estávamos com mil ideias  e em novembro de 2016 falamos:  ” Vamos começar com o que a gente sabe.” Essa é uma das primeiras dicas da Endeavor quando você quer começar a empreender: comece com o que você sabe fazer. Então a gente decidiu criar uma empresa de marketing especializada no público sênior.

Muda Tudo: E como tem se saído a Hype 60+?

Layla: Começamos com 4 pessoas. Hoje a gente está com um time de 13.  A nossa entrada nas empresas, na sociedade, tem sido super legal. As pessoas ficam encantadas quando a gente começa a falar sobre como o consumo do público sênior que está crescendo.

O Brasil já está com 30 milhões de idosos e  85% deles têm vida ativa. Essas pessoas já são responsáveis por 20% da renda do Brasil. É muito dinheiro, mais de um trilhão de reais!

Essa pessoas estão aí com muita vontade de viver, de sonhar, de consumir, de fazer muitas coisas, de mudar de casa, de reformar, de comprar roupa, de comprar maquiagem… É um público que tem muito poder de consumo, mas hoje é totalmente invisível. Quando você começa a fazer pesquisa com esse público, 90% fala que já sofreu preconceito por idade. Tem até um termo para esse tipo de preconceito: idadismo. E as mulheres a partir de 40 anos já sentem isso. Elas chegam no shopping e – ou encontram aquela roupa super decotada, cós baixo, etc – ou um estilo muito senhoril.

Casal negro, jovem idoso, de chapéu de palha e óculos escuros sorrindo com a praia ao fundo

Foto: Pixabay

Muda Tudo: A OMS (Organização Mundial de Saúde) divulgou recentemente uma nova tabela de idade na qual as pessoas de 18 a 65 anos são consideradas jovens.

Layla: É verdade, mas isso é quase uma utopia, na prática isso não acontece.  Pela primeira vez na história da humanidade,  as pessoas que estão chegando aos 60 anos vão viver pelo menos mais 25 anos na ativa. Para falar o mínimo, porque provavelmente vão viver de 30 a 35 anos e não se prepararam pra viver tanto. E essa pessoa que faz 60 agora faz parte de uma geração chamada geração sanduíche. Ela tem filhos, tem netos e tem pais. Então ela tem que cuidar do pai que já está com seus 85, 90 anos,  e ainda de netos e  filhos…

Mulher morena, de cabelos compridos castanhos, com óculos de grau, posando na janela com uma flor rosa em destaque

Foto: Pixabay

Muda Tudo: E como essas pessoas que estão vivendo este momento lidam com essa mudança de paradigma?

Layla:  Esse rótulo da velhice, do idoso,  não cola mais. Não faz mais sentido aquela imagem do velhinho de bengala.

MT: E as filas de prioridade? Estão cada vez maiores e com pessoas, a princípio, nem tão idosas assim…

LV: Agora em São Paulo já tem fila para a prioridade da prioridade. Quem tem mais 80 anos tem prioridade sobre quem tem mais de 60. A gente entende que 60+ é muito jovem, mas as marcas, as políticas públicas não entenderam isso ainda. As pessoas começam a ser mandadas embora ainda em fase de produção. Às vezes com mais de 45 já é visto como velho para um trabalho, ultrapassado… E como faz? Porque essa pessoa vai ter que ter renda, a previdência já não sustenta mais…

MT: Isso é algo exclusivo do Brasil?

LV: Esse é um problema que está acontecendo  no mundo inteiro. Tem até alguns nomes engraçados como TSUNAMI 60+.

Essa grande onda do oceano prateado que vai invadir o mundo todo. E a gente tem que se preparar pra isso. Tem alguns países, como o Japão, que estão se preparando.

MT: Preparando de que maneira?

LV: Por exemplo, as leis. A pessoa com mais de 60 anos vai ter de trabalhar. No Brasil, a lei é de 40hs semanais, 8hs por dia. Essa pessoa já não quer ter essa carga de trabalho. Ela já trabalhou muito a vida toda e agora quer aproveitar um momento com a família. Agora mesmo está tramitando uma lei para flexibilizar o horário do jovem  idoso contratado.  Aquele que quer ser CLT, porque não é todo mundo que quer ser empreendedor, e hoje só encontra empresas que exigem as 8hrs diárias.

Homem grisalho, branco, feliz, levantando um bebê sobre a cabeça

Foto: Pixabay

MT: Quando se fala de longevidade, o que é mais relevante?

LV: Os 3 grandes drives da longevidade são: tempo, dinheiro e muita vontade de fazer tudo.  As pessoas com mais de 60 querem trabalhar. O trabalho é uma grande parte do que a gente é, da nossa personalidade, como a gente se posiciona no mundo.

MT: O Hype 60+ então ajuda aos sêniors a desenvolverem negócios?

LV:  A gente tem um blog que chama “Amo minha idade”, que foi onde tudo nasceu. Quando a gente começou a estudar a longevidade, a gente criou esse blog  que hoje já está com mais de 8 mil seguidores no Facebook. Nós do Hype fazemos parte dos grupos de envelhecimento daqui de são Paulo. A gente ajuda as pessoas, que não sabem a fazer um e-mail marketing, a fazer um site. Mas o nosso trabalho vai muito para empresas que têm como público alvo o sênior.

Homem negro, de barba grisalha, dono de um bar, usando chapéu, óculos na testa, com um sorriso de realizado

Foto: Pixabay

MT: Como vocês atuam nas empresas?

LV: A gente está usando as grandes empresas para mudar o mindset das pessoas. Como sociedade, temos um desafio de educação nessa área. Estamos fazendo, por exemplo, um projeto muito legal com o Dr. Dráuzio Varela. São 3 vídeos para desmistificar o envelhecimento. Como estratégia, a gente primeiro está começando nessas grandes empresas para chegar a um público maior.

MT: E quais empresas seriam?

LV: Empresas da área de turismo, saúde, setor imobiliário… Aqui em São Paulo, por exemplo,  a Tecnisa vai abrir o maior sênior living voltado para esse público jovem idoso. É aquele que quer mudar de casa porque seus filhos já saíram e ele quer ter um espaço menor, mais acessível, fácil de cuidar. E ao mesmo tempo que ele terá um espaço super funcional para se morar, vai poder usufruir de uma área comum onde vão acontecer uma série de atividades para engajar a comunidade.

Mulheres brancas, idosas, brindando com duas taças de vinho tinto

Foto: Pixabay

MT: Uma forma de criar um grupo?

LV: Existe um outro ponto da longevidade que é a solidão.  A solidão do público idoso é muito grande, tem muitos casos de depressão, por isso essas atividades em grupo são muito importantes. Nós somos especialistas no público sênior e a gente ajuda essas empresas, organizações que querem conversar com essas pessoas através de serviços, produtos, experiência.

Homem branco, de cabelo e barba branca, sentado em uma moto super potente

Foto: Pixabay

LV: Nosso papel é melhorar essa comunicação que é muito estereotipada. Usar a imagem do vovô de bengala e da vovó com colar de pérolas e tricô, já não funciona mais. Ao mesmo tempo, a comunicação do vovô rock’in roll que algumas marcas estão fazendo também não é real. Não representa meu pai que é super ativo, saudável, mas não é isso. Ou então aquela imagem totalmente sexualizada usada para vender medicamentos e que mostra lá o vovô todo saradão paquerando uma menininha… Nada a ver! (risos)

Senhora asiática, cabelos brancos, empunhando uma máquina fotográfica com uma teleobjetiva

Foto: Pixabay

MT: Ah, ia me esquecendo… Tem alguém acima de 60 anos trabalhando na Hype?

LV: Sim, dentro do nosso grupo de 13 pessoas a gente tem 3 de 60+, porque é essencial ter a visão deles. A minha sócia tem 47. Tem uma que tem 23… Tem um pouquinho de cada idade.

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