Um Rio de Janeiro sem violência, com menos desigualdade social e com oportunidades para todos. Um sonho ou uma realidade possível? Na cidade chamada de maravilhosa, por sua exuberância natural, declarada Patrimônio Mundial pela UNESCO, o cenário deixa de ser belo quando colocamos o foco na violência. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a taxa de homicídios na cidade sobe a cada ano. No início de 2018, o número de assassinatos já mostrava um aumento de 24% em comparação ao levantamento feito entre 2015 e 2016. O caminho para mudar esta triste estatística passa sobretudo por uma renovação política.

Conversamos com Robson Borges, um dos 100 nomes escolhidos (entre 4.000 inscritos) para fazer parte do programa de capacitação política RenovaBR, que tem a missão de selecionar brasileiros dispostos a atuar na linha de frente da renovação política do país.

“Renovação” é uma palavra que descreve Robson perfeitamente, porque ele é um exemplo de mudança e de que tudo pode dar certo, apesar de tanto pessimismo espalhado por aí. Robson foi preso aos 22 anos, em 1999, e cumpriu pena de 4 anos e 8 meses, no Rio de Janeiro, por assalto. Depois de sair da prisão, fundou uma cooperativa de reciclagem de lixo para ajudar outros egressos do sistema penitenciário. Embora exitoso, o projeto perdeu o patrocínio que o viabilizava financeiramente e fechou. Agora, Robson vai ser candidato a deputado estadual pelo Rio de Janeiro.

“ Você tem que ter duas bolsas: uma furada para você ir deixando cair o que não te faz bem e outra bem vedada, para guardar o que você quer que faça parte da sua vida.”

(Robson Borges)

Robson Borges, no Renova Brasil foto: Kitty Paranaguá

Robson Borges. foto: Kitty Paranaguá

Muda Tudo: Robson, o programa RenovaBR teve mais de 4.000 inscritos. Você ficou entre os 100 selecionados, para participar de um programa que inclui aulas de Teoria Geral do Estado, funcionamento do legislativo, marketing, liderança…

Robson Borges: O RenovaBR foi uma oportunidade extraordinária que eu tive para continuar buscando a minha transformação, para poder transformar o outro. Eu já venho há muito tempo ouvindo que eu tinha que me candidatar, porque quando a gente fica de fora a gente abre mais espaço para que o mal entre. Eu já tinha esse plano de entrar para a política, mas era um projeto mais para o futuro. Eu queria antes que funcionasse o processo da cooperativa de reciclagem de lixo, para replicar o modelo … mas isso não aconteceu.

Robson Borges, trabalhando com reciclagem de lixo Foto: Facebook

Robson Borges, trabalhando com reciclagem de lixo Foto: Facebook

Muda Tudo: Como foi o processo de seleção?

Robson: Eu fiz a inscrição, muito descrente, passei por um primeiro processo e fui passando até chegar a uma bancada, que me ouviu e eu acho que a minha fala deu “liga”. A gente precisa se despir para entender que nós somos humanos e complementares. São 100 lideranças com pensamentos que convergem. Eu sou muito agradecido a essa oportunidade que Deus me deu.

Muda Tudo: Tem prova no programa de formação do RenovaBR?

Robson: Sim, tem prova, tem avaliação. É preciso manter uma média para permanecer dentro. Sem estudo não há transformação.

Robson Borges em um dos encontros do Renova BR Foto: Facebook

Robson Borges em um dos encontros do Renova BR. Foto: Facebook

Muda Tudo: Robson, vamos voltar um pouco no tempo, falar sobre de onde você veio.

Robson: Eu cheguei ao Rio aos 2 anos de idade, com meus pais mineiros e fui morar no Complexo do Alemão, em 1980. Eu morei lá a vida toda. O Alemão era uma roça, onde a gente caçava rã, pescava, andava a cavalo. Eu estudava em escola pública e trabalhava fazendo bicos para ajudar meus pais.

Muda Tudo: Você saiu da prisão e virou presidente de uma cooperativa de reciclagem criada para egressos do sistema prisional.

Robson: O objetivo no primeiro momento era contemplar única e exclusivamente os egressos do sistema prisional, mas a gente encontrou pessoas em situação de rua, dependente químicos, dentro e fora dos lixões e o leque abriu. Os lixões são bombas-relógio: dióxido de carbono constante, doenças, … E a gente pode transformar esse passivo em um ativo. Pode gerar muita riqueza a ser distribuída de maneira justa e adequada.

Muda Tudo: Se você tinha acabado de ser solto, explica porque a Cooperativa tem o nome “Eu Quero Liberdade”…

Robson: Porque depois do muro ainda tem um rótulo, ainda tem preconceito e uma série de coisas …  E a gente continua querendo liberdade.

Robson Borges falando sobre reciclagem Foto: Facebook

Robson Borges falando sobre reciclagem. Foto: Facebook

Muda Tudo: Qual foi o momento em que deu aquele click de mudança na sua cabeça? Foi quando você ainda estava preso?

Robson: Foram dois momentos. O primeiro foi entender que eu não era aquele. Eu era um personagem construído com uma série de insumos, como falta de saneamento, falta de recursos, de relacionamento com a família, de diálogo, falta de uma série de nutrientes, falta de um exemplo a ser seguido. Você vive em um barraquinho de tábua, com banheiro de sumidouro, e vê que quem tem poder e status é a informalidade ostentada por alguns em seu entorno. E aí vem a mídia tornando aquilo tudo lindo. Os jovens não aceitam o seu lugar e ao invés de encarar a sua realidade … Eu precisava ter ouvido meu pai e minha mãe que tinham feito o roteiro da minha vida e eu quis um roteiro diferente, mais romantizado.

Muda Tudo: Mas você disse que foi uma criança que trabalhou muito.

Robson: Aos 11 eu já trabalhava em uma borracharia e infelizmente foi lá que eu conheci as drogas. Mas, muito antes, eu trabalhava entregando pão, fazendo carreto na feira, carregando areia e cimento para vizinhos… E eu despertei para isso.

Muda Tudo: E o segundo momento?

Robson: Foi quando nasceu o meu primeiro filho, que hoje está com 14 anos. Aí eu recebi um estímulo para falar: “cara, volta, se refaz, traça um plano e vai.” Recomeçar da estaca zero depois do que eu chamo de 7 anos jogados fora. Na verdade hoje eu digo que foi totalmente necessário passar por tudo isso para ser quem eu sou. Quando eu paro para ver quem eu era e quem eu sou, fico muito contente. Não sei como transferir essas ferramentas para a juventude de hoje, é muito difícil.

Muda Tudo: Você disse que pensa em construir um canal no Youtube…

Robson: Isso. Para conversar com os jovens. A juventude não tem maturidade para fazer escolhas. E depois o preço é muito caro: o resto da vida marcado por uma decisão equivocada. Comunicar, compartilhar experiências, dizer coisas que não são ditas e contrapor coisas que são ditas. Se eu tenho visão crítica de mundo, eu não tenho problema de ligar uma novela, porque eu vejo aquilo como entretenimento, como reflexo do que acontece. Mas se eu não tenho insumo suficiente para ter visão crítica eu recebo aquilo como mote, como caminho.

Muda Tudo: Robson, você fez 40 anos há pouco tempo, certo?

Robson: Para quem não ia chegar aos 18, hein? Hoje eu gosto de quem eu sou em detrimento de quem eu era.

Robson Borges, do Renova BR Foto: Facebook

Robson Borges, do Renova BR. Foto: Facebook

Muda Tudo: O que você acha mais urgente para mudar o Brasil?

Robson: A primeira coisa é esquecer esquerda, direita, centro, negro, branco, sexualidade, religião. Tudo isso é secundário. A gente precisa se unir. E a gente precisa mudar a representação política de ponta a ponta. Se a gente não parar para fazer uma reflexão sobre o que está acontecendo e como isso pode impactar a vida de todos nós, a gente vai continuar caminhando para o abismo.

Muda Tudo: Tem alguma prioridade?

Robson: Educação é primordial, educação lá no berço. Educação que empodera, que traz visão crítica, cidadã, cívica, para que as pessoas saibam fazer escolhas. E eu acho que nada impede que a saúde acompanhe isso. Porque se tem educação, a gente vai alcançar saúde. A falta de educação contribui para as mazelas em diferentes outros setores. Por exemplo, a destinação dos resíduos que a gente produz. O canal enche, entra na nossa casa sem pedir licença, com entulho, rato, doença …  Mas a mesma pessoa que sofre isso, quando o canal está baixo, ela amarra o saco de lixo e joga lá dentro. E quando ela não joga no canal, ela joga na praça. Educação é muito importante.

Muda Tudo: Você é um exemplo de mudança. A que ou a quem você credita essa sua virada de vida?

Robson: Fomos eu e Deus, não houve nenhum centro de recuperação. Não foi fácil romper com o legado do personagem. Foi muito difícil, mas é possível você superar você mesmo. Quando a gente muda, aquele que se relaciona com a gente muda também. É muito melhor esse tipo de exemplo do que ficar falando que o outro precisa mudar.

Muda Tudo: Isso aí. E você está dando o exemplo de que realmente é possível mudar. E o Brasil? A sua candidatura significa que você acha que o Brasil tem jeito?

Robson: Claro, o Brasil tem jeito sim! (sorri)

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