A empresária e ativista social Patrícia Villela Marino tem motivos de sobra para celebrar 2018 e as boas perspectivas para 2019. O Civi-co, o polo de inovação social fundado por ela e pelo amigo e sócio Ricardo Podval, comemorou 1 ano já como referência no ecossistema de impacto social. Inaugurado em 21 de novembro de 2017, com 8 startups, o prédio de 5 andares no bairro de Pinheiros, em São Paulo, hoje é ocupado por mais de 60 CNPJs. São fundações, institutos, ongs e startups que trabalham buscando soluções para os desafios da nossa sociedade, e todas elas alinhadas com os 17 ODS, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. 

Patrícia e o sócio Ricardo Podval na inauguração do CIVI-CO. Foto: Luiza Matravolgyi

Não tem como não ficar emocionada e não ficar muito grata a todos que fizeram com que o Civi-co acontecesse. Sozinha eu não teria feito nada. O Civi-co nasceu de uma experiência trabalhando com a organização Tellus, no Centro Ruth Cardoso. E dessa experiência bem sucedida, eu tive vontade de expandir. Em vez de sermos duas organizações, nós pensamos em sermos 200, 200.000 em algum momento.”

Patrícia na apresentação do estudo sobre participação cidadã nas Américas realizado pela Humanitas360 em parceria com The Economist. Foto: Luiza Matravolgyi

Entre os residentes do Civi-co está o Instituto Humanitas360, do qual Patrícia é a fundadora presidente. A organização sem fins lucrativos foi criada por ela em 2015 para promover o engajamento e o empoderamento cidadão e tem como um dos focos a reinserção de egressos do sistema prisional na sociedade. Formada em Direito, com especialização em Filantropia e Terceiro Setor pela Universidade de Harvard, Patrícia encerrou o ano com uma grande conquista, a assinatura de um acordo de cooperação técnica com o CNJ, Conselho Nacional de Justiça. O acordo firmado em Brasília com o ministro Dias Toffoli, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, vai permitir implementar cooperativas sociais nos presídios de todo o país. O modelo será  inspirado na marca Tereza, uma  iniciativa do Humanitas360 para capacitar e gerar receita para as detentas da Penitenciária Feminina de Tremembé II, interior de São Paulo. Também em dezembro, Patrícia foi homenageada em uma cerimônia oficial na ALESP (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) com o Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos por seu trabalho em defesa dos direitos da população.

Patrícia na cerimônia oficial na ALESP recebendo o Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos. Foto: Luiza Matravolgyi

Na semana do aniversário de um ano do CIVI-CO a incansável e inspiradora Patrícia Villela Marino participou do programa Ser Cívico, que vai ao ar nas mídias sociais do co-working toda quinta-feira, apresentado pela co-fundadora do Muda Tudo, Ana Luiza Prudente, responsável pela comunicação do espaço.

Ser Cívico: Patrícia, sua história de vida é ligada à vontade de fazer justiça. Quando você entendeu que o seu propósito era realizar trabalhos de impacto cívico-social?

Patrícia: Isso foi cultivado em mim como uma flor. Até os 27 anos, eu passei todos os meus aniversários num orfanato, comemorando a data com 300 meninos. Uma ideia da minha mãe que foi uma injeção de virtude na minha vida. E quando a gente tem a oportunidade de unir vontade com capacitação, com instrumentos acadêmicos, isso se torna cada vez mais forte e empoderador. E empoderamento tem que ser dividido. A gente não nasceu para ser represa, a gente nasceu para ser via de passagem, para ser canal.

Um exemplo de empoderamento é a Cooperativa Social de Trabalho Lili, um projeto do Humanitas360 dentro da Penitenciária Feminina 2 de Tremembé, um caso inédito no estado de São Paulo. É ali que 50 detentas estão desenvolvendo, com a direção do  designer Renato Imbrosi, em parceria com a também designer Cristiana Pereira Barretto,  produtos artesanais sob a marca “Tereza.” O desenvolvimento de empreendedorismo no cárcere foi inspirado na iniciativa pioneira da Coostafe, Cooperativa Social de Trabalho e Arte Feminina, criada na Centro de Ressocialização Feminino de Ananindeua (Pará) pela diretora Carmen Botelho.

Patrícia na cooperativa dentro da Penitenciária Feminina 2 de Tremembé. Foto: Luiza Matravolgyi

“O Projeto Tereza era um grande sonho, mas a gente não sabia como fazer acontecer. A pergunta ‘por que nosso sistema não resgata, não educa?’ sempre foi muito forte no Humanitas. Depois de muita imersão, entendemos que era preciso começar algo dentro do sistema prisional para que isso se estendesse para fora e para que as detentas fossem capacitadas, treinadas, resgatadas no seu sentido de mãe, mulher, de pertencentes à sociedade.”

Dar oportunidade a quem cometeu um crime é para muita gente um desperdício de tempo e dinheiro.  Mas não para Patrícia, que faz questão de provar o contrário. Os produtos da marca Tereza Vale a Pena são comercializados em uma plataforma de e-commerce, gerando renda e oportunidade de trabalho para as detentas ainda no encarceramento e também para quando elas deixarem o presídio. Cada peça artesanal traz em sua etiqueta a história de vida destas mulheres. O primeiro leilão beneficente da Tereza foi realizado no CIVI-CO, em outubro, e foi um sucesso.

Patrícia apresentando o leilão beneficente da marca TEREZA. Foto: Luiza Matravolgyi

Patrícia com Glaucia Thomaz, uma das cooperadas da TEREZA. Foto: Luiza Matravolgyi

Patrícia: Na hora em que você realiza esse resgate, você começa a ver impactos positivos também econômicos. O que menos quero, e o que eu menos aceito, é que digam que a gente está passando a mão na cabeça de bandido. Se não for pelo impacto emocional, cívico, social, ambiental que existe nesse tema, também vamos ter um impacto econômico. Se a gente consegue diminuir os índices de reincidência, a gente diminui a necessidade de construir mais estabelecimentos prisionais e a gente começa a investir o dinheiro público em lugares que realmente tenham sentido de existir: em nossas escolas, em nosso transporte público, em nossa segurança, em nossa saúde.

Além da criação da cooperativa social, o Humanitas360 lançou este ano, em parceria com a The Economist Intelligence Unit (instituto de pesquisa da publicação inglesa The Economist),  um estudo sobre a participação dos latino-americanos nos processos políticos de seus países e na sociedade civil como um todo. A partir desta pesquisa, publicada em março, foi criado o Índice de Empoderamento Cívico das Américas. O estudo fez o levantamento da participação cidadã em 6 países (EUA, México, Guatemala, Colômbia, Venezuela e Brasil).

Patrícia com o economista britânico Michael Green, um dos criadores do Índice de Progresso Social

Ser Cívico: Por que incluir no estudo a Venezuela, país que passa por uma profunda crise humanitária?

Patrícia: Eu tenho uma história de ativismo positivo com a Venezuela há oito anos e o que eu acredito é que se a gente não levar em consideração os nossos vizinhos, hoje menos invisíveis, mas até pouco tempo muito invisíveis, a gente vai continuar negando fatos, dados e realidades que simplesmente lesam o espírito cívico da nossa região. A Venezuela foi incluída por ser o pior dos cenários no que diz respeito ao empoderamento cidadão e os Estados Unidos está na pesquisa por ser o país que historicamente tem tido o melhor dos cenários. Entre os dois, estão o Brasil, a Colômbia, o México e a Guatemala.

Ser Cívico: Com relação ao Brasil, como você enxerga a atitude do cidadão brasileiro diante do cenário político polarizado do país?

Patrícia: Eu acho que o cidadão brasileiro está vivendo talvez a época mais rica de sua história. Nós passamos um momento de descaso completo com a política. Eu fico pasma como tantas pessoas desconhecem detalhes da nossa história contemporânea, da ditadura, por exemplo. Ser cívico é olhar para essa história bem recente, com espírito crítico, investigativo, saber o que aconteceu de errado, para que a gente tenha essa conversa, para que hoje exista um CIVI-CO. Era impensável um CIVI-CO existir naquela época. É preciso olhar para a democracia como sendo o fruto de um exercício cívico, democrático, solidário.

Ser Cívico: De que forma a solidariedade pode fortalecer a democracia?

Patrícia: Ainda que pertençamos a um grupo, nós temos que ter a visão do todo, daquele que não está no grupo, inclusive daquele que fala contra o meu grupo, porque a gente vai ter que manter uma zona de diálogo. Reconhecendo o direito do outro, nós exercitamos a cidadania e a civilidade. E aí a gente se vê como parte desse grupo, como parte desse caldo. Eu não sou melhor, nem pior; eu sou parte. O que nós precisamos cultivar hoje é esse espírito de nação. O que todo mundo quer é que o Brasil dê certo. O que todo mundo precisa? Ser mais solidário.

Patrícia e Sandro Soares, o Testinha, ativista e diretor da Ong Social Skate. Foto: Luiza Matravolgyi

Ser Cívico: O lançamento do índice de participação cidadã, a inauguração do CIVI-CO, a criação da cooperativa Tereza, todos projetos de impacto social com grandes desafios. Como foi realizar tudo isso em um ano?

Patrícia: Eu tenho certeza de que minha fé, minha crença, junto com a experiência de ter pessoas magníficas comigo, fizeram com que o Humanitas360 acontecesse, que o CIVI-CO acontecesse, e que nós pudéssemos nos colocar a serviço de outras pessoas, e olhar invisibilidades, realidades completamente ocultas de nossos dias e que, por causarem incômodo, continuam sendo ocultas de nossas vidas.

Ser Cívico: Além de atuar no 3º setor e no setor 2.5 (empresas sociais com fins lucrativos) você também abraça a filantropia. Por que?

Patrícia: A filantropia é a verdadeira materialização do seu amor pelo próximo. Um ato filantrópico pode não ter nada a ver com recurso financeiro, pode ser investimento do seu tempo, da sua capacidade intelectual, do seu carinho. Mas é um ato comprometido, que deve ter hora e lugar para acontecer e deve ter continuidade. É obvio que quem pode aportar financeiramente, não só pode, como deve. Nós não podemos ser acumuladores de capital, nós precisamos ser veículos desse capital, precisamos ser os transformadores do capital financeiro para o capital cívico, nós precisamos ser transformadores de capital emocional, intelectual, para capital cívico.

Patrícia durante um evento no CIVI-CO. Foto: Luiza Matravolgyi

Ser Cívico: Existe um pensamento de que tudo no Brasil é feito para complicar, até mesmo quando se quer doar.

Patrícia: Muitas pessoas dizem que nos Estados Unidos é diferente porque existe uma série de leis que viabilizam doações, mas isso não pode ser desculpa para que nós deixemos de doar. E essa mudança de atitude precisa vir de dentro para fora. Qualquer mudança drástica que seja de fora para dentro, na ideia de apontar o dedo, com comentários violentos, brigas, acusações e julgamentos, não vai ser uma mudança transformadora, perene e sustentável.

Ser Cívico: Pensando em transformação, como você vê o CIVI-CO daqui a alguns anos?

Patrícia: Eu tenho que ser muito justa e dar o crédito aos meus dois sócios, o meu marido Ricardo Villela Marino e o meu amigo Ricardo Podval, que sem dúvida é a máquina por trás do CIVI-CO.  Nossas visões se completam e nós vemos o CIVI-CO como um espaço de referência do impacto cívico-social-ambiental, um espaço onde as organizações queiram estar para pertencer, um espaço que se conote e se denote como uma comunidade de empreendedores e não como um espaço compartilhado de trabalho. Que a gente possa levar o CIVI-CO além de suas fronteiras, além de suas paredes, de diversas maneiras, seja fisicamente ou digitalmente para outros lugares do Brasil, para que outros CIVI-COS possam acontecer. Até lá, todos estão convidados a vir a São Paulo!

A entrevista com Patrícia Villela Marino no Ser Cívico pode ser vista na íntegra no facebook do CIVI-CO.

Veja Também:

https://mudatudo.com.br/um-indice-da-cidadania-na-america-latina/