Em vez de um cemitério tradicional, um bosque. No lugar de lápides, árvores. A iniciativa “Seamos un Árbol” (Vamos ser uma árvore), propõe ressignificar a morte e, de quebra, colaborar com o meio ambiente. De que forma? Plantando árvores em homenagem aos mortos. Uma proposta simples e literalmente transformadora.
A iniciativa é de Jorge María Bellsolá Ferrer. Conhecendo um pouco da história desse argentino dá para entender de onde veio a ideia. Jorge cresceu ouvindo falar de reflorestamento.
“Eu venho de uma empresa familiar que regenera a floresta nativa no norte da Argentina desde 1998.”
E Jorge também cresceu ouvindo falar de serviços fúnebres porque o pai é dono de um cemitério particular.
“Trabalhava no cemitério, mas o que eu mais gostava e gosto de fazer é plantar árvores. Durante uma cerimônia de enterro, eu tinha acabado de vir de um plantio e pensei, Por que não plantar uma árvore no lugar do falecido? “Vamos ser uma árvore” nasceu como um projeto para unir as duas experiências da minha vida.”
O projeto nasceu em 2012, quando Jorge tinha apenas 23 anos de idade. Interessante pensar porque alguém tão jovem se interessaria por um tema tão distante dele: a morte. Mas o que realmente o inspirou foi a possibilidade de ajudar a diminuir a emissão de gás carbônico no planeta.
“A ideia surgiu com o trabalho de reflorestamento que eu já fazia. Aprendi sobre coleta de sementes e germinação de todos os tipos de árvores.”
Plantar árvores é uma das principais estratégias para combater o aquecimento global. As árvores atuam como um grande filtro de gases do efeito estufa. Elas absorvem o CO2 através da fotossíntese e armazenam esse gás carbônico ou dióxido de carbono nas suas folhas, tronco e raízes, criando uma espécie de estoque de carbono. Existem formas de medir a pegada de carbono de uma pessoa, organização, evento ou produto e calcular o número de árvores que deveriam ser plantadas para compensar essas emissões. Cada um de nós emite, a depender das atividades no dia a dia, uma certa quantidade de carbono. Sem saber, de forma direta ou indireta, estamos “ajudando” a aumentar o aquecimento global. Mas mesmo antes de criar o projeto do cemitério bosque, Jorge já atuava com essa consciência.
“Sempre que realizava um serviço fúnebre, plantava uma árvore.”
Com sua iniciativa, Jorge já soma 470 árvores plantadas, a mais alta com 3 metros de altura.
“As florestas estão em terras privadas, mas estamos trabalhando para levar a iniciativa para espaços públicos nas cidades. No momento temos dois bosques cemitérios: um projeto florestal na área ocidental da Grande Buenos Aires, onde plantamos espécies ornamentais (não há árvores nativas nesta área) e outra na ecorregião Yungas, na província de Tucumán (Norte de Argentina), onde plantamos Cedrela, uma árvore nativa.”
O cliente pode optar por enterro ou cremação e ainda escolher o lugar da cerimônia. A árvore em homenagem ao morto é plantada em um dos bosques da família de Jorge.
Vamos ser uma árvore oferece três tipos de serviços funerários: nos cemitérios públicos, cemitérios privados ou a cremação.
“Em todos os casos, fazemos uma cerimônia de plantio, onde a família e os amigos podem plantar uma árvore em homenagem ao falecido. Nos casos de cremação, é oferecida a possibilidade de enterrar as cinzas debaixo da árvore que será plantada. O solo fértil é sempre adicionado entre as cinzas e a árvore.”
O preço do serviço funerário com o plantio da árvore fica em US$1.300,00 dólares, aproximadamente R$4.400,00 reais e inclui atendimento de urgência, traslado, certificados e atas, cremação, plantio de árvore e a cerimônia de despedida.
“Se você não escolher a cremação e quiser realizar o enterro em um cemitério normal, nós incluímos transferências, mas não as taxas municipais dos cemitérios públicos e não parcelamos o valor no caso de cemitérios privados.”
Após a cerimônia, as árvores são mantidas pelo projeto e no caso de uma delas vir a morrer, Jorge notifica os parentes e juntos plantam uma nova árvore, sem despesa adicional.
O objetivo final é plantar mais árvores fazendo com que mais e mais pessoas conheçam a proposta e possam optar pela cerimônia.
“Na Argentina, morrem, aproximadamente, 300.000 pessoas por ano , isso significariam 300.000 novas árvores por ano.”
O maior desafio de Jorge, no entanto, é mudar a forma como as pessoas veem a morte, não como um fim, mas como uma renovação.
“Estamos trabalhando em uma área delicada. Vai demorar muito tempo para mudar o paradigma e as pessoas verem a morte como uma forma de gerar vida. Espero que no futuro as pessoas digam, Me plantem! Se todo mundo participasse do plantio de uma árvore, cuidasse dela, a visse crescer e evoluir, certamente teria uma relação diferente, muito mais respeitosa com a natureza. Meu sonho é recuperar as florestas de todas as ecorregiões do país e ser capaz de escalar uma árvore que plantei.”
É com esse espírito que Jorge espera transformar o serviço fúnebre em uma grande cerimônia de plantio, fazendo com que a morte ganhe uma nova forma de vida.
“O ciclo da natureza não é governado pelo tempo do homem. As pessoas precisam entender que o fim de uma vida é o início de um novo ciclo, e que lembrar de um ente querido é se conectar com a natureza.”
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