Nossa nova colunista é Beatriz Luz, especialista em sustentabilidade estratégica e economia circular. Engenheira química, com mestrado em gestão ambiental, lançou em 2015 a Exchange4change Brasil, a primeira plataforma de troca de conhecimento e consultoria especializada em impulsionar a economia circular no país em colaboração com especialistas internacionais. É com prazer que publicamos abaixo a primeira matéria assinada por Beatriz:
Quaresma sem plástico
(por Beatriz Luz)
As críticas à utilização do plástico são cada vez mais frequentes. Grande parte dessas críticas é resposta às terríveis imagens de animais marinhos, como tartarugas e baleias, que estão morrendo devido à ingestão de lixo plástico. Vários países, inclusive, já estão banindo envases plásticos descartáveis, que estão entre os grandes vilões do meio ambiente.
O problema é realmente grave!
Vimos de perto a gravidade do problema do microplástico no oceano em Itajaí, Santa Catarina, durante a Volvo Ocean Race. Durante sua passagem pelo Brasil, entrevistamos Liz Wardley, a capitã do veleiro da ONU, que carrega a mensagem Mares Limpos. Desolada, Liz nos mostrou o kit usado para coletar as amostras de água: desde o início da regata, todas as amostras de água coletadas continham microplástico.
“Estou na minha terceira regata e percebo que o problema do lixo no mar realmente se intensificou ao longo desses anos. Precisamos refletir sobre nossas atitudes” diz Liz Wardley.
Então, o que devemos fazer?
Visando provocar uma reflexão mais profunda sobre o assunto, nos inspiramos no desafio lançado pela empresa britânica ClientEarth, intitulado Quaresma sem plástico, e mobilizamos pessoas do nosso Núcleo de Economia Circular (espalhados em todo Brasil), para que elas participassem do desafio e nos enviassem seus depoimentos. A experiência foi incrível e o resultado surpreendente.
O desafio
Na religião católica, a quaresma serve como um período de reflexão e penitência em preparação para a Páscoa. Muitas pessoas abdicam de alguns prazeres, propõem novos hábitos e ficam até sem comer alguns alimentos em forma de sacrifício. O desafio da Client Earth era fazer com que as pessoas passassem 40 dias sem usar plástico no dia a dia, por exemplo, sem comprar garrafas PET, sair de supermercados com sacolas descartáveis, sem consumir alimentos vendidos em embalagens plásticas, usando shampoo sem envase plástico …
Para simplificar a tarefa, reduzimos o tempo para 1 mês e, estabelecemos uma abordagem diferente para cada semana:
- 1a semana: momento de refletir sobre a nossa rotina e o uso do plástico fora de casa
- 2a semana: reflexão sobre plásticos na cozinha
- 3a semana: reflexão sobre plásticos no banheiro
- 4a semana: hora de concluir: o que posso mudar?
Resultados
A experiência que tivemos com o desafio “Plastic-free-lent” foi, no mínimo, inspiradora. Nos inspirou a rever nossos hábitos, nosso consumo, a avaliar a presença do plástico no nosso dia a dia, a enfatizar a importância da reciclagem e o nosso papel na disposição correta dos materiais e da coleta seletiva.
Podemos certamente adquirir novos hábitos e diminuir o uso desnecessário do plástico, mas sempre entendendo que ele tem o seu valor e não vai parar na praia sozinho. O lixo gerado é a consequência das nossas atitudes, e muitas vezes nossas escolhas corroboram com as conveniências do mercado.
Vejam alguns depoimentos coletados por Danilo Eccard, a começar por ele mesmo:
Danilo Eccard (membro do Núcleo de Economia Circular- NEC desde o primeiro ano, é parte do atual Comitê Gestor):
“O meu maior aprendizado foi perceber que definitivamente não é possível me livrar completamente do plástico. O plástico tem diversos usos no nosso dia-a-dia e é sim muito útil. Mas entendi também que a relação que a maioria das pessoas tem com os sacos plásticos, canudos, embalagens, envelopes, etc… é a de abundância. E onde há abundância há também o descaso: o canudo é de graça, pode-se jogar este fora e pegar outro. A sacola plástica do supermercado – mesmo tendo que pagar -, custa apenas 0,10 centavos e é muito útil.
Alice Drummond, do NEC Ituiutaba, já tem o hábito de reciclar os itens plásticos de maior uso e nos deu várias dicas:
“Eu faço vários produtos em casa, como desodorante e pasta de dentes, para evitar a geração de resíduos das embalagens. Com práticas como essa e outras eu pude estimar que ao fim do nosso desafio eu deixei de consumir um total de 5,4 Kg de plástico”.
Juliana Aguiar, nossa parceira da Rede de Pesquisadores, disse que o ponto mais importante do desafio foi se dar conta da quantidade de plástico que ela usa no seu dia-a-dia:
“É impressionante como não havia me dado conta de quanto me sinto dependente desse material. Armazeno frutas e legumes em embalagens zip lock e os filmes plásticos são meus grandes companheiros na cozinha.”
Cristina Macedo, do NEC RJ, se deu conta da grande quantidade de plástico que usa na feira semanal, mas também trouxe uma reflexão sobre as alternativas reutilizáveis:
“Eu compro frutas e legumes na feira semanal e uso sacolas de plástico reaproveitadas. Alguns itens ainda consigo carregar soltos no carrinho, mas outros – como tomate cereja e uvas, se não estiverem em uma sacola, não dá. Os sacos de pano são uma boa ideia, porém precisam ser lavados e devemos ter o cuidado com o desperdício de água.”
Beatriz Luz, Fundadora do Exchange 4 Change Brasil e líder do NEC, nos mostrou que o desafio é sistêmico e requer a participação de todos.
“No meu caso, o momento mais marcante foi quando fui a um café, pedi para servirem no meu copo reutilizável, não pedi colher, pois passei a carregar uma comigo, portanto tudo perfeito até o momento em que eu pedi um guardanapo… Que veio embalado em plástico.”
Conclusão:
O plástico é problema e é solução ao mesmo tempo. Se o lixo plástico não terminasse contaminando o meio ambiente, o material não seria um problema. Seria apenas inovação, comodidade e solução. O desafio é como equilibrar essa equação. Não é só a sacolinha, o canudo e o copo descartável que devem ser banidos, mas nossa preguiça e falta de educação. Por isso é tão importante reduzir o consumo, reutilizar e reciclar.
Nota:
Veja também a entrevista que fizemos com a especialista em economia circular Beatriz Luz no Muda Tudo:
https://mudatudo.com.br/entrevistas/o-mundo-nao-precisa-de-mais-residuos/