por Patricia Salamonde
A arte muda tudo. Muda nosso jeito de olhar o mundo e o mundo que a gente olha.
Transformar a paisagem de uma cidade é o desafio para artistas que realizam intervenções urbanas. Pessoas que, por meio da arte, ocupam espaços abandonados, colorem muros cinzentos, levam olhares para cantos esquecidos. Mudam a cidade de um jeito lúdico e irreverente. Um trabalho não autorizado e abençoado ao mesmo tempo.
Desde 2010, o Coletivo Muda, formado por dois designers (Bruna Vieira e João Tolentino) e três arquitetos (Diego Uribbe, Duke Capellão e Rodrigo Kalache), usa o espaço público como cavalete de suas criações. Eles argamassam composições feitas de azulejos e ladrilhos hidráulicos em viadutos, muros e outras paredes inóspitas. Misturam um material clássico, um grafismo moderno e uma atitude contemporânea para chegar a um resultado que serve de colírio para os olhos.
Com o nosso trabalho, queremos mudar a relação das pessoas com a cidade, atentando a locais que às vezes são esquecidos na paisagem e no cotidiano da cidade. Por ter sido sempre um processo espontâneo, não costumamos pedir autorização prévia à Prefeitura. Quando se trata de um muro privado, procuramos sempre o proprietário antes. Nunca tivemos problemas durante as instalações, apesar de termos tido muitos painéis nossos removidos tanto pela Prefeitura quanto por pessoas comuns.
Os cinco nomes juntos conseguiram uma assinatura de apenas quatro letras e muito estilo por grandes metrópoles como Rio, São Paulo, Buenos Aires, Nova York, Lisboa, Roma… E nem precisava de assinatura. O trabalho deles se identifica sem nome, se firma nele próprio, consolidado sob um guarda-chuva de influências peso-pesado.
O trabalho do Coletivo Muda remete a grandes muralistas brasileiros, como o mestre da azulejaria Athos Bulcão, que teve entre amigos Burle Marx e Candido Portinari. Remete a pintores renomados, como Alfredo Volpi. Remete à nossa herança portuguesa e à casa de nossos avós. Remete a Brasília e ao modernismo dos anos 50. Ao mesmo tempo, segundo o grupo, também tem forte influência do mundo do street art e de grafiteiros, como o veterano artista de rua inglês Banksy. De fato, dois participantes do coletivo, Duke Capelão e João Tolentino grafitam desde os 16 anos.
Os 5 artistas se juntaram pela primeira vez em um espaço no Jardim Botânico, onde dividiam uma casa, que serviu de sede para o estúdio de design e o escritório de arquitetura deles. Um dia, surgiu um pedido de um piso de ladrilho hidráulico. Da demanda, apareceram muitas respostas. Ainda com bastante tempo livre entre um trabalho e outro, o grupo foi tendo mais e mais ideias de mosaicos que resolveram colocar nas ruas. Com a visão de grafiteiro, eles foram buscando espaços vazios, muros sem cor, recantos que pediam para serem olhados. E passaram a interferir na cidade, promovendo reações de transeuntes anestesiados pela transparência do concreto vazio.
Pintamos os azulejos no nosso atelier e levamos a composição pronta, em caixas até o local. Lá estendemos tudo no chão e iniciamos o processo de produção da argamassa, e colamos os azulejos um a um.
Eles contam que a ideia sempre foi pintar os azulejos com o spray do grafitti, sem se importar com a perenidade do trabalho. De fato, eles gostam mesmo de mudança! Curtem ver a marca do tempo com azulejos quebrados, lascados, arranhados. Ver o tempo que muda.
Os primeiros suportes foram amostras de material do escritório de arquitetura. Hoje são necessários muitos azulejos para dar conta do trabalho. E aquelas horas vagas do passado estão cada vez mais escassas no atelier. Quase não existem. As intervenções urbanas se espalharam pelo mundo, recriando paisagens urbanas. As obras públicas e democráticas se tornaram objeto de desejo que acabaram em galerias de arte. Em 2013, a primeira galeria a levar o Coletivo Muda para dentro da caixa branca foi a Lurixs, em Botafogo. Já às obras vendidas para espaços privados, eles dão outro tratamento, para garantir vida longa às peças, que não saem nada barato.
Galeria ou rua?
A rua está no nosso DNA. Surgimos dela e nunca vamos deixar de estar nela. A galeria é um desafio constante, que também nos instiga por termos que inventar os suportes, as relações, que na rua são definidos pelo próprio espaço urbano.
Com o dinheiro ganho nas galerias, o coletivo consegue financiar novas intervenções, sempre com o padrão de painéis abstratos que misturam cor e forma. E, com os novos trabalhos, surgem novas ideias, novos suportes, novos recortes. Hoje, eles trabalham também sobre madeira, recortam azulejos, dando novas formas ao tradicional formato quadrado, tridimensionalizando obras e criando uma espécie de rubrica, o MINIMUDA, uma assinatura pequenina feita em pastilha de vidro. Pequena e notável.
Esse coletivo realmente muda. Muda suportes, e se muda de tempos em tempos. Como uma família que vai crescendo e demandando mais e mais espaço. Do Jardim Botânico, eles se mudaram para Santa Teresa, depois foram para Santo Cristo, na antiga fábrica da Behring, e agora os 5 estão em São Cristóvão.
Mudam o endereço, mas não mudam a base do trabalho como um coletivo. Ninguém tem um cargo específico nesse grupo, todo mundo faz tudo. Eles produzem, misturam composições, carregam caixas cheias de azulejos na hora de ir para a rua. E pensam juntos cada intervenção, cada uma site specific, ou seja, um trabalho pensado exatamente para cada lugar. Elementos e texturas do local são sempre determinantes nas formas, cores, e toda relação da obra com o entorno.
Com esse sistema coletivo de trabalho, eles já realizaram grandes mudanças visuais, como no Minhocão de São Paulo, no Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, na entrada do Túnel Rebouças e na Estrada do Joá, no Rio.
Em Portugal, país berço de grandes ensinamentos sobre azulejaria, o quinteto espalhou sua marca por diversas cidades.
E quando perguntamos se existe uma preferida…
É sempre complicado escolher uma preferida, e a busca pelo sonho é constante, então temos muitos painéis que, não só pelo resultado mas pelo processo, tornam-se cativantes. Destacaríamos a intervenção que fizemos na cidade de Fortaleza, no Centro Cultural Dragão do Mar. Por termos sido convidados por um festival internacional de arte urbana, pela interação com os outros artistas e pela escala do projeto.
Do que o Rio precisa?
… Respeito e tolerância toda cidade precisa.
A crítica de arte Suzi Gablik diz: “… o artista, diferente da imagem que se criou em torno dele, é a única figura que não tem o direito de se isolar em nossa sociedade, deve interagir, trazer reflexões, diálogos e valores para uma sociedade urgente e carente. E, nesse aspecto, a interação torna-se um meio de expressão, a arte se realiza por meio do diálogo, da conexão, da interação, trocas.”
Arte e cultura são fundamentais para o mundo. Que todas iniciativas desse tipo sejam cada vez mais constantes e presentes na sociedade.
E terminamos perguntando do que as pessoas precisam para mudar?
Mente aberta.
É isso aí. Intervir, agir, transformar. Se não for tudo, que seja Muda.
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https://mudablog.wordpress.com