“Nenhum de nós é tão bom quanto todos nós juntos”. Este é o lema de Diego Mahfouz Faria Lima, professor que já ganhou o Oscar da educação brasileira e agora pode ganhar o Nobel da educação internacional!
O Muda Tudo conversou com esse incrível professor sul-matogrossense de 30 anos, diretor da Escola Municipal Darcy Ribeiro, em São José do Rio Preto, SP. Diego está entre os dez finalistas do Global Teacher Prize 2018, maior prêmio que um professor pode ganhar, oferecido pela Varkey Foundation, organização sem fins lucrativos, com sede em Londres, que visa melhorar a educação de crianças sem condições financeiras no mundo todo. A Fundação Varkey recompensa com 1 milhão de dólares (pagos ao longo de dez anos) o nome que considera o melhor professor do mundo, leia-se: o professor que fez mais diferença na comunidade em que atua. O prêmio, considerado o Nobel da educação, leva em conta a habilidade do professor para inspirar seus alunos a estudarem, os métodos inovadores que utiliza para isso e os benefícios que suas práticas levaram à comunidade. Mais de 30.000 professores de 173 países participaram da seleção que escolheu os 10 melhores. Destes 10, um vencedor será anunciado no dia 18 de março, em Dubai, Emirados Árabes Unidos. Diego vai estar presente e será um dos três palestrante do evento. Ele preparou uma apresentação que faz projeções para a educação pública no Brasil no ano de 2030.
O anúncio dos dez finalistas foi feito por Bill Gates.
Gates fez uma bela introdução antes de anunciar os finalistas: ”
“Quando você pensa sobre o que impulsiona o progresso e a construção de um mundo melhor, a educação é uma chave-mestra para a mudança, aquela que abre todos os tipos de oportunidades. Pesquisas mostram que ter um bom professor pode ser o fator mais importante para determinar se os estudantes vão ter uma boa educação.”
O Muda Tudo teve o imenso prazer de entrevistar o professor Diego Mahfouz Faria Lima, poucos dias depois do anúncio de Bill Gates. O homem que mudou a realidade de violência, evasão escolar e depredação da Escola Municipal Darcy Ribeiro de São José do Rio Preto, que dá aulas para cerca de 1.000 alunos entre 11 e 17 anos.
Quem é Diego Mahfouz Faria Lima?
Diego nasceu em Paranaíba, no Mato Grosso do Sul, e aos 15 anos se mudou para São Paulo, pois sua mãe precisava fazer tratamento de câncer. Ele conta que sempre foi muito exigido pela mãe no que se referia aos estudos. Com o pai desempregado e a mãe doente, Diego conseguiu uma bolsa de estudos e se graduou em pedagogia. Depois vieram nada menos do que 3 pós-graduações: em tecnologia da educação, administração escolar e teorias e práticas pedagógicas. Em 2014, Diego foi convidado para ser vice-diretor da Escola Darcy Ribeiro, conhecida por muitos casos de violência interna e que chegou a ser considerada uma das piores do estado de São Paulo. A escola fica no Jardim Santo Antônio, em São José do Rio Preto. Um ano depois, com um projeto transformador, ganhou o prêmio Educador Nota 10, da Fundação Victor Civita em parceria com a Fundação Roberto Marinho e foi eleito educador do ano pela Academia Brasileira de Educação – o chamado Oscar da educação brasileira em 2015.
O video abaixo foi produzido pela Varkey Foundation:
Muda Tudo: Diego, acho que o nome Muda Tudo é perfeito para começarmos a nossa entrevista, não é?
Diego Mahfouz Faria Lima: Isso. Mudar tudo é o que realmente tem que acontecer. Quando eu comecei meu trabalho aqui na escola, em 2014, o meu principal foco era a mudança do olhar. As pessoas me perguntam qual é a fórmula mágica do projeto e eu respondo: um projeto não pode ser encarado simplesmente como um projeto, pois assim não vai surtir efeito.
Precisa começar com uma mudança do olhar. Essa é a porta para o sucesso.
MT: O que você está sentindo como finalista de um prêmio tão importante?
DMFL: Quando eu saí na lista dos cinquenta finalistas já foi algo muito gratificante. É gratificante ter o trabalho reconhecido, apresentar um projeto internacionalmente e ter a oportunidade de ajudar outros educadores. Eu represento toda uma comunidade que acreditou na mudança. O educador tem a oportunidade de transformar vidas e isso não tem preço.
A transformação de vidas é maior do que qualquer prêmio que a gente possa receber.
MT: Quem mais te apoiou neste projeto?
DMFL: Eu contei com a ajuda da minha equipe na escola, com ajuda da comunidade ao redor da escola, da Secretaria de Educação, da Prefeitura, … No começo, a equipe não acreditava mais em uma mudança. A escola sofria com sérios problemas de vandalismo, depredação, violência. O índice de evasão escolar era altíssimo, assim como o de repetência. A metodologia era punitiva: tudo era resolvido na base da suspensão. E tinha muito tráfico de drogas.
MT: E o que você fez para conseguir mudar esse cenário?
DMFL: As pessoas tinham medo de matricular os filhos na escola então eu saí pela comunidade me apresentando, fazendo perguntas sobre o que os pais (e os jovens) queriam. A partir daí, elaboramos um plano com as prioridades. O plano era baseado em 4 pontos: mudança de olhar, valorização da cultura do diálogo e do ouvir dentro da escola, tornar a comunidade participante das ações da escola e dar voz aos alunos para eles se tornarem protagonistas.
MT: Quanto tempo demorou para ver os primeiros resultados da sua gestão transformadora?
DMFL: Cerca de um ano, um ano e meio.
MT: Uma das queixas era que a escola era feia e não tinha boas condições de estrutura, certo?
DMFL: Uma escola tem que ser muito atrativa, acolhedora e solidária para que o aluno tenha o desejo de estar lá. E ele tem de saber que a educação vai transformar a vida dele. Hoje em dia há muitas tentações, a internet, as drogas… Para fazer com que a escola seja atrativa a gente precisa se reinventar. E envolver a comunidade é muito importante. Por exemplo, nós pedimos restos de material de pintura para todas as escolas da cidade e de lata em lata conseguimos reformar a escola com toda a comunidade envolvida. A escola não tinha o sentido de pertencimento. Hoje nós temos uma lista de pais voluntários que prestam serviço na escola nos finais de semana, à noite …
Muda Tudo: E com uma escola mais atrativa você conseguir reduzir, ou melhor, quase zerar a evasão escolar. Como foi que você fez isso?
Diego: A escola era muito punitiva. Cerca de 60 alunos eram suspensos por semana e o aluno que fica fora entre 3 e 7 dias vai evadir, não vai voltar para escola. Então foi feito um trabalho grande com os professores e também por meio do sistema de carteirinhas. Com elas eu consigo acompanhar a frequência dos alunos e no caso de ausências, vou procurar saber o que está acontecendo. Quando o aluno falta por mais de 2 dias, eu entro em ação e vou até a casa dele. Nós começamos com 202 alunos evadidos e finalizamos o primeiro ano de projeto com apenas 2.
Eu tenho alunos que chegam dizendo: “Diego, eu não quero mais roubar, não quero mais traficar drogas, me ajuda.” É aí eu vou tentar ajudar.
MT: A violência era um problema também. Você criou um sistema de mediação de conflitos. Fala um pouco sobre isso…
DMFL: Era uma escola em que quase todos os dias na saída tinha brigas. Criamos um sistema no qual o grêmio escolar identifica possíveis casos de bullying e violência e encaminha esses jovens para a mediação de conflitos. Quando se coloca as partes envolvidas para conversar, acabam as brigas. A forma que a gente administra esses conflitos é onde está o diferencial. A gente exercita o diálogo e o saber ouvir. Eu tenho alunos que chegam dizendo: “Diego eu não quero mais roubar, não quero mais traficar drogas, me ajuda.” É aí eu vou tentar ajudar. A escola passou a ser uma referência para a comunidade.
MT: O poder público poderia fazer mais?
DMFL: Com certeza. A maioria dos professores tem muita dificuldade com a questão de lidar com conflitos.
Os programas de formação de professores deveriam ser revistos. É preciso investir na formação docente e construir escolas. Mas a valorização do professor é bem emergencial.
MT: Precisa construir escolas ou investir em professores?
DMFL: As duas coisas. Os programas de formação de professores deveriam ser revistos. É preciso investir na formação docente e construir escolas. Mas a valorização do professor é bem emergencial.
DMFL: Como você chegou onde você chegou?
DMFL: Eu sempre quis isso. Na faculdade eu criei um blog chamado “Educação e Revolução.
Eu queria fazer um trabalho que gerasse impacto na educação.
MT: E você conseguiu! é possível replicar essa metodologia em outras escolas, certo?
DMFL: O meu sonho é replicar para todas as escolas que enfrentam o mesmo problema que eu enfrentei. E replicar também em outros países.
MT: E como fazer isso?
DMFL: Uma das formas é com divulgação e isto está acontecendo agora. Mas também precisamos de recursos. Eu vou ser um dos três palestrantes no fórum de Dubai e por isso eu estou tão empenhado em apresentar esse projeto que mostra como a educação é transformadora.
MT: Vamos terminar porque você tem muito trabalho! Diego, para você, o que muda tudo?
DMFL: O que muda tudo é a gente acreditar mais no potencial do ser humano. A nossa sociedade está muito desacreditada. Desacreditada das pessoas e do poder de transformação. Como aqui na escola: quando eu cheguei as pessoas se perguntavam se era possível mudar. Se as pessoas não acreditarem na transformação do ser humano, por mais difícil, nada disso seria possível.
A gente tem que acreditar, fazer e puxar a fila!
Se Diego ganhar o prêmio de 1 milhão de dólares, o equivalente a 3,220,00 milhões de reais, ele pretende realizar o sonho de ter uma ONG com cursos profissionalizantes para jovens no contraturno da escola. Ele garante que tirar os alunos das ruas é o caminho para impedir que eles se envolvam com as drogas e a violência.
O resultado da premiação será anunciado no dia 18 de março durante o Fórum Mundial de Educação, em Dubai. Vamos torcer muito!
Ah! Vale lembrar que na edição de 2017 do Global Teacher Prize, outro brasileiro ficou entre os 10 finalistas. O nome dele é Wemerson da Silva Nogueira, de Nova Venécia, no Espírito Santo. Ele é professor da Escola Estadual Antônio dos Santos Neves, em Boa Esperança, e em três anos conseguiu transformar a instituição em uma das melhores do município. O professor criou no local um laboratório para dar aulas práticas aos alunos, ensinou tabela periódica por meio de canções, e criou um aplicativo para dar aula de química. Junto a seus alunos, desenvolveu o projeto “Filtrando as lágrimas do Rio Doce,” que ensina como fazer filtros com materiais como areia e pedra para purificar as águas poluídas do rio que foi contaminado com o rompimento da barragem de Mariana. Os alunos distribuíram filtros entre a comunidade ribeirinha. Apesar de não deixarem a água pronta para consumo humano, os filtros possibilitam que ela seja usada em tarefas domésticas. Em 2017, quem ganhou Global Teacher Prize foi a professora canadense Maggie MacDonnell, que dá aulas para comunidades indígenas em lugares remotos do Canadá.
Veja também a história de Maggie publicada aqui no Muda Tudo: