Uma rua sem saída em São Paulo promete ser uma grande porta para importantes transformações sociais no país. O final da rua Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, na região de Pinheiros/Vila Madalena, foi o local escolhido pelos empresários Patricia Villela Marino e Ricardo Podval para construir o prédio do Civi-co, o primeiro coworking do país exclusivamente focado em inovação/ impacto social. O espaço esbanja vanguarda – e muito charme!
O Muda Tudo esteve lá durante a reta final das obras, para conversar com os dois sócios do projeto e com o gestor de comunidade do espaço, Vitor Belota.
Patricia Villela Marino é presidente do Instituto Humanitas360 (ONG sem fins lucrativos criada para promover mudanças na América Latina) e vice-presidente do Instituto PDR (fundo familiar reservado para doações e investimentos em obras sociais). Ricardo Podval é empresário com 7 anos de experiência em negócios na China, recém-retornado ao Brasil. Vitor Belota é um jovem empreendedor social ligado a projetos incríveis como o Litro de Luz e o Visionários.
Patricia Villela Marino: “O coworking é apenas um meio para que o ambiente físico funcione. Ele não é o fim, não é o nosso modelo de negócio. O Civi-co é um espaço para fomentar uma comunidade de empreendedores cívico-sociais que estão transformando o espaço público. É muito mais do que um coworking.”
São 1.700 metros quadrados distribuídos por 5 andares, com capacidade para mais de 250 pessoas trabalharem. Diversidade é palavra-chave na divisão do espaço: mesas comunitárias, salas exclusivas, auditório para palestras, um café para encontros e um terraço para eventos. A estrutura com jeito industrial de tubulações aparentes reforça a ideia de transparência no sistema e a determinação para trabalhar pesado no projeto.
Ricardo Podval: “O nosso retorno de investimento é o impacto social gerado pelas organizações que estão aqui dentro. Nós somos a ponte entre essas organizações, o setor privado e o setor público. Ajudamos com gestão, com contatos, tudo para que a gente gere uma agenda positiva, para que a gente gere impacto.”
Patricia Villela Marino: “Em um coworking, não necessariamente existe a figura do gestor de comunidade, uma pessoa que sabe tudo o que está acontecendo aqui dentro e que vai, como uma agulha, alinhavando esse tecido social que se forma no Civi-co e que cumpre com o seu propósito na hora em que ele extrapola as nossas paredes.”
O gestor social em questão é Vitor Belota. Formado em Administração, Vitor criou o projeto Litro de Luz para levar energia a comunidades que não contam com eletricidade, utilizando garrafas PET e placas de energia solar. Um pequeno exemplar desse trabalho fica no pátio do coworking vizinho ao Civi-co, o Impact Hub, que, por sua vez, fica em frente ao agitado Centro Cultural B-arco.
Vitor Belota: “A nossa proposta é conectar as start-ups, que estão aqui, entre si e com o ecossistema como um todo. Pinheiros é hoje o maior PIB social da América Latina, nós temos aqui o Greenpeace, o WWF, o Instituto Alana, grandes organizações da área social e a gente quer transformar esta rua no coração pulsante de inovação social.”
Entre as organizações que vão funcionar no prédio estão as duas lideradas por Patricia, Humanitas360 e Instituto PDR.
PVM: “Em todo os lugares onde existiu grande inovação existiu um adensamento de ideias, de pessoas, uma convergência. O Vale do Silício foi um deles. Outros casos foram a Ruta N, na Colômbia e a Start-up Nation, em Israel. Nós vimos a necessidade de existir um ponto de convergência físico e o piloto foi São Paulo.”
Para ter um espaço dentro do Civi-co não basta desembolsar uma mensalidade que fica entre 800 e 5.000 reais. É preciso se qualificar como empreendedor cívico-social.
RP: “Existe um filtro, uma entrevista inicial, pois é preciso trabalhar para gerar melhoria na qualidade de vida das pessoas, estar preocupado com políticas públicas, ser escalável, ter espírito de nação… Mas vamos ter organizações em estados de maturidade bem diferentes.”
PVM: “Isso, é muito importante que os menores aprendam com os maiores e também que os maiores aprendam com os menores.”
Muda Tudo: E como surgiu a ideia do Civi-co?
PVM: “A ideia já existia na minha cabeça e no meu coração há cerca de 3 anos, mas faltava a pessoa ideal para ser o líder deste desbravamento. Aí eu reencontrei o meu amigo Ricardo, que estava na indecisão de voltar ou não para o Brasil.”
RP: “O dia em que ela me contou a ideia eu disse: não dá para recusar. O convencimento foi mais rápido do que o almoço, que demorou uns 3 convites para sair.”
PVM: “O Civi-co é um movimento de resistência positiva para que haja manutenção do pouco capital cívico que sobrou no nosso país. Um espaço para fomentar e consolidar ideias daqueles que decidiram não pensar somente no negativo, que mergulharam nessa ideia de que o Brasil não está perdido, que o Brasil tem solução.”
RP: “Existe um governo carente de soluções, até por questões de continuidade. Existe uma carência na área privada, que até então se preocupava somente em ganhar dinheiro, e nós temos uma população não representada. São 3 setores carentes que precisam se falar, precisam de projetos que tragam o bem comum, que tragam uma agenda positiva.”
PVM: “A gente tem duas posturas: ou continuar apontando o dedo para o que não funciona ou olhar para quem está trabalhando para que as coisas funcionem. O papel do Civi-co é exatamente esse. Não ficar apontando para o que não funciona e apoiar essas organizações que, por exemplo, estão preparando servidores vocacionados para que eles trabalhem em um governo que venha a funcionar.”
RP: “Governo e população são uma coisa única, somos nós. O que precisamos é conversar, dialogar, tocar nas feridas, trazer pautas relevantes, ideias…”
PVM: “Precisamos criar maneiras de sair desta polarização e deste embate e sermos cidadãos empoderados. No Brasil a gente deixou de construir escolas para construir presídios. Estamos enxugando gelo. Nós precisamos trilhar ideias e ver quem já está nesse caminho de soluções e dar visibilidade a essas pessoas. A verdade é que nós dois, eu e o Ricardo, temos um compromisso muito grande com o futuro. A gente sabe que o que a gente fizer do Civi-co não vai ser para a gente, para a nossa geração. Mas nós dois temos filhos e queremos deixar um legado para os nossos filhos como nós recebemos dos nossos pais. Nós queremos deixar uma história para contar. Para que perder a oportunidade que a gente tem na nossa mão?”
RP: “Não dá para achar que Deus nos colocou aqui só de passagem. Deus nos colocou aqui para deixar pelo menos uma semente e o Civi-co é isso. Eu tenho certeza de que quem vier depois vai colher, vai fazer mais, vai fazer melhor e que isso tem que continuar. É isso que nos move. A gente acredita. Dá para mudar a realidade.”
Ricardo cita o exemplo da China, dizendo que o país, com seus erros e acertos, tirou 400 milhões da zona da miséria em 10 anos, ou seja, duas vezes a população do Brasil.
RP: “Porque é um governo pensando no coletivo e não no individual. É um governo pensando a longo prazo. Porque é meritocracia. Então vamos trabalhar meritocracias.“
Um mês antes de inaugurar formalmente, o Civi-co já realizou importantes eventos com foco em inovação/impacto social, como um debate sobre o sistema prisional do país e o Virada Politica. Além disso, já tem planos de replicar seu modelo nas periferias, em outros estados e até em outros países.
Vitor: “A gente tem o sonho de levar o Civi-co para as periferias e de expandir para outros estados e países. Ir para Salvador, Miami… Hoje nós somos o primeiro coworking do mundo 100% focado em impacto. Há cinco anos eu não pensaria que existiria um prédio inteiro, com essa estrutura, em Pinheiros, só para falar de impacto social. Isso está ganhando um protagonismo que eu acho que não tem volta. Só vai crescer.”
Tomara!
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