por Ana Luiza Prudente
Uma visita ao Vale do Silício, o maior centro de inovação do mundo situado na Baía de São Francisco, inspirou o baiano Paulo Rogério Nunes a criar, na Baía de Todos os Santos, o Vale do Dendê. O Muda Tudo foi até Salvador para entrevistar o empreendedor e publicitário no histórico bairro do Pelourinho, local escolhido por ele para abrigar o centro de inovações. No papo, Paulo falou de sua trajetória como profissional e revelou os bastidores de sua vida, uma história incrível, inspiradora. Uma semana depois do nosso encontro, Paulo acrescentou mais uma conquista à sua espetacular trajetória. Ele foi o destaque na visita de Barack Obama ao Brasil durante o Fórum Cidadão Global por ser o único nordestino a fazer parte do seleto encontro com o ex-presidente americano. Paulo é o cara!
MT – O Silicon Valley (Vale do Silício), na Califórnia, é o maior centro de inovação tecnológica do mundo, seguido pelo Silicon Wadi, em Israel. Agora o Brasil está a caminho de ter o seu próprio Vale, mas com uma pitada do tempero baiano. Como surgiu a ideia do Vale do Dendê? O nome é maravilhoso!
PR – (risos) É a essência de Salvador, uma cidade que tem um potencial incrível na área da economia criativa, mas que falta uma estrutura. Precisamos criar essa ponte. Acredito que um espaço voltado para inovação dentro do Pelourinho, onde as pessoas terão acesso a cursos, mentorias, investidores, mídia, conhecimento para se tornar empreendedores, pessoas que queiram potencializar seus negócios, vai transformar a cidade.
MT – E como vai ser a proposta, igual a do Vale do Silício?
PR – O Vale do Silício tem particularidades muito próprias daquela região da Califórnia, não dá pra replicar o Vale do Silício na Bahia. Ele é baseado em alta tecnologia, em uma cultura de investimentos com rodadas de 30, 40 milhões, isso não é a realidade da gente. O mais próximo da gente é o que aconteceu em Medellin que era a capital mais violenta do mundo na época pós-Pablo Escobar e em 10 anos conseguiu se tornar a capital mais inovadora do mundo, investindo em inovação na base da pirâmide, nas comunidades. Eles colocaram um centro de inovação enorme no meio da maior favela de Medellin. Isso fez com que Medellin desse um salto qualitativo gigantesco.
MT – Então na verdade a ideia passa por São Francisco, mas a inspiração vem de Medellin?
PR – A gente se inspira muito em Medellin e muito no que está acontecendo na África neste momento. Para você ter uma ideia, Mark Zuckemberg, do Facebook, e os executivos da Google toda hora estão na África e não é porque eles são bonzinhos. Eles já entenderam que a próxima inovação disruptiva vai sair da África. Por que? Porque o mundo se parece muito mais com a periferia de Salvador, do Rio de Janeiro, de São Paulo, com Nairóbi, Lagos, e Ruanda do que com a Bélgica, França ou Noruega. Uma tecnologia criada aqui na periferia de Salvador, na área de energia, pode ser replicada para Ruanda, Colômbia e Palestina. A cafeteira que fala com a torradeira e o aplicativo que abre a sua casa não são inovações disruptivas. Inovação disruptiva é conseguir impactar bilhões de pessoas com a tecnologia de acesso à água, mobilidade… O Google está procurando os “the next billion consumers” (o próximo bilhão de consumidores) porque eles já chegaram no bilhão da classe média tradicional e agora precisam chegar nos 7 bilhões de pessoas que estão conectadas na internet. E como vão conseguir isso? Eles vão ter que ir pra África, Ásia, pra América Latina…
MT – E para Salvador… Como você vê a cidade neste momento?
PR – Salvador tem muitos desafios, um deles é que a elite econômica é muito pequena. Até brinco dizendo que é proporcional à disposição racial da cidade. São 84% de afro-descendentes e 16% de pessoas que não são afro-descendentes. Tem uma elite pequena e que infelizmente não circula pela cidade, no centro. Ela fica no Itaigara, Graça, Horto… Infelizmente são mundos que não se conversam. O nosso desafio também é tentar aproximar a classe média alta para frequentar o centro histórico, para conhecer o subúrbio, a cidade de verdade, a Liberdade… As pessoas não conhecem. Também houve a questão da gentrificação. É claro que foi importante revitalizar o centro histórico de Salvador, foi importante o Michael Jackson ter vindo aqui, mas isso a custo de expulsar as comunidades para as periferias. Isso teve um custo social alto, então o processo agora é fazer com que essas pessoas voltem para o centro. E tem de trazer também a classe média. Tem que fazer um modelo misto, trazer uma classe média criativa que prefere estar aqui do que estar em condomínios e manter os moradores atuais que trazem vida para o território. Como aconteceu em Barcelona ou no Mission Distric, em São Francisco. Com um centro de inovação aqui, a gente quer que o filho de um empresário também possa vir e dar uma mentoria, por que não?
MT – Este é o seu papel no Vale do Dendê, construir pontes?
PR – Exatamente. As pessoas me procuram pedindo ajuda, mas como pessoa física tenho um limite, então é preciso ter uma estrutura que viabilize esses esforços. A ideia do Vale é justamente ser esse canal, dar as ferramentas para que os empreendedores possam crescer.
MT – O que está faltando para isso acontecer?
PR – Vamos lançar agora em novembro um edital para acelerar 10 negócios na área criativa e digital e a partir de 2018 a gente vai ter o espaço físico no Pelourinho. Será um hub, um lugar moderno, sofisticado com um layout bacana, para atrair os jovens empreendedores que têm muitas ideias. O professor Hélio Santos, um dos sócios no Vale do Dendê (junto com o jornalista Rosenildo Ferreira e Itala Herta , relações públicas) diz que Salvador é um absurdo de criatividade. Você vai em cada beco da cidade e tem alguém criando uma música, algo artístico. É um caldeirão, mas não tem uma plataforma para que essas pessoas possam ter visibilidade.
MT – E como você, um empreendedor social, pretende viabilizar o Vale do Dendê?
PR – Estamos com o apoio da Fundação Itaú e da Fundação Alphaville.
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MT – Vamos falar um pouco de você agora. Sua trajetória é impressionante! Você nasceu na periferia de Salvador, no Subúrbio Ferroviário, e hoje é empreendedor de sucesso e consultor afiliado ao Berkman Klein Center, centro de pesquisa de Harvard. Como foi este caminho?
PR – Foi um caminho que aconteceu a partir de conexões pessoais. Nessa correria da vida aprendi que o importante é se relacionar com pessoas. Por conta de uma ONG pude estudar informática na adolescência e ganhar dinheiro trabalhando com instalação e conserto de computadores. Nessa época, eu tinha 19, 20 anos, ia pra casa de pessoas com alto poder aquisitivo, juízes, advogados, médicos e empresários e eles falavam, “Nossa! Você fala bem, gosta de ler… ” Ficavam impressionados porque eu conhecia Nietzsche, Shopenhauer… Eu sempre gostei de ler, sempre fui curioso. Sou aquariano, meu radar de mundo é grande (risos) E esses mentores informais me falavam, “Você tem de entrar na faculdade.” E eu dizia… Não, faculdade não é pra mim não… Na minha cabeça não era porque ninguém na minha família, no meu bairro fez faculdade. Numa comunidade de 15 mil pessoas eu fui o segundo a cursar uma faculdade. Então isso não estava no meu horizonte. Era um momento pré-cotas, ProUni, não tinha esses incentivos.
MT – Mas você fez faculdade, afinal?
PR – Sim. Cursei a Católica de Salvador, uma universidade particular. Porque aqui no Brasil é assim, quem tem dinheiro vai para faculdade pública, quem não tem, só se for pagando. Vendi camiseta, trabalhei em gráfica, loja de material de construção… Cheguei a trabalhar em 3 lugares ao mesmo tempo para pagar a faculdade. No fim de semana, trabalhava de 8 da manhã à meia-noite numa empresa de informática. Era um trabalho semi-escravo.
MT – E como foi a experiência na Universidade Católica?
PR – Foi ótima, foi lá que criei, com um grupo de colegas, o Mídia Étnica, um instituto que trabalha para equacionar a representação negra na mídia. A instituição hoje conta com o apoio da Fundação Kellog, Fundação Ford, Instituto Coca-Cola e Google. A proposta é formar jovens na área da comunicação e ultimamente nos 3 últimos anos começamos a incorporar a tecnologia. Na faculdade também criei o Correio Nagô , uma plataforma digital de notícias da comunidade afro-brasileira.
MT – E como você se tornou consultor de Harvard?
PR – Em 2011 eu me candidatei a uma bolsa do governo americano chamada Fulbright que permite você estudar em uma universidade de lá para aperfeiçoamento profissional. Eu concorri com o mundo todo da minha área de comunicação. Eles gostaram do meu perfil e eu ganhei a bolsa e fiquei morando um ano e meio em Washington, estudando na Universidade de Maryland e o melhor de tudo foi que lá me deram a opção de escolher um lugar para estagiar e eu pensei, se é pra sonhar alto, quero ir para o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts)! Eles mandaram uma carta pra lá, fui selecionado e fiz o estágio no Media Lab de lá e daí trouxe o projeto Vojo para o Brasil. Foi então que a Harvard me convidou para ser consultor e afiliado ao Berkman Klein Center.
MT – Uau, que história!
PR – Pois é… Minha luta hoje é pra não ser uma exceção. Sei que sou um ponto fora da curva, mas quero que o que aconteceu comigo seja uma regra. E que, assim como eu, outros daqui possam ter a mesma sorte.
Mais do que empreendedor, Paulo Rogério é um Mudador, uma pessoa que enxerga além das limitações e que, como gosta de dizer, constrói pontes por onde passa e agora espera construir muitas mais com o Vale do Dendê.