Ele poderá ganhar 1 milhão de dólares se vencer o America’s Got Talent, em setembro. Mas, na verdade, já ganhou o maior dos grandes prêmios há muito tempo. Esse prêmio se chama garra e determinação. Peterson da Cruz Hora é brasileiro, tem 37 anos, e passou toda a infância e parte da adolescência em uma comunidade carente no litoral de São Paulo. Muitos amigos morreram no mundo da criminalidade. Mas Peterson escolheu outro caminho. Chegou a passar fome para poder realizar seu sonho de dançar e conseguiu fundar uma companhia de ginástica acrobática chamada Zurcaroh, na cidade de Gotzis, na Áustria, que é um mega sucesso hoje. O grupo acaba de deixar os jurados do programa da NBC, nos Estados Unidos, de boca aberta. Foi tão ovacionado que ganhou o chamado Golden Buzzer, uma passagem direta da fase de seleção para as apresentações ao vivo, a partir de agosto, no Dolby Theater, em Los Angeles.

Simon Cowell it was an honor for US to perform in front of YOU, on THIS stage surrounded by this amazing audience.Thank you for this once in a lifetime experience, we really appreciate it and we can’t wait to show America our next performance.

Posted by Zurcaroh on Monday, June 11, 2018

WOW – Thank you Howie Mandel ❤️#zurcaroh #zurcarohmoments #wow #goosebumps #AGT2018

Posted by Zurcaroh on Saturday, June 9, 2018

Nós tivemos o prazer de conversar longamente com o Peterson, para conhecer essa trajetória de luta e sucesso. Peterson nasceu em Santos, litoral de São Paulo, mas morou “a vida toda” no Guarujá. Planos para o futuro? Muitos, inclusive um projeto social no Brasil!

Peterson da Cruz Hora Foto: Facebook do Zurcaroh

Peterson da Cruz Hora Foto: Facebook do Zurcaroh

Muda Tudo: Peterson, você disse que todos seus amigos morreram, vítimas da violência na favela. Você sobreviveu.

Peterson: A criminalidade assedia a gente, quando você é criança não dimensiona a situação. Você pensa: eu não tenho dinheiro e posso passar a ter para comprar o que eu quero, para ajudar a minha família. Na primeira vez, a pessoa acha estranho. Na segunda, acha menos. Na terceira, isso se torna um hábito. Eu estava inserido na criminalidade, mas sem atuar nela. Meu vínculo eram meus amigos e eu só tinha eles. E eles foram morrendo um a um…

Muda Tudo: Quantos anos você tinha quando saiu da comunidade?

Peterson: Eu tinha 17 anos quando eu fui morar no ginásio onde eu treinava, também no Guarujá. Quem me sustentava era o meu técnico. Eu ganhei uma bolsa numa escola particular por conta do esporte.

Muda Tudo: Quando você começou a se destacar na ginástica acrobática?

Peterson: Eu entrei para a ginástica acrobática aos 15 anos e com 16 eu participei do meu primeiro festival internacional, em Barcelona, na Espanha. O segundo festival foi em Buenos Aires e aí eu me tornei campeão brasileiro. Um ano depois, em 1999, eu era bicampeão. Eu tinha 18 anos e estava me formando no colégio. Em 2000, eu participei de um evento em São Paulo, e eu lembro que passei fome. Aí eu percebi que eu precisava procurar um trabalho remunerado. E fui dar aula de dança em uma agência na Praça da Sé, em São Paulo.

Muda Tudo: Você dança desde pequeninho?

Peterson: Desde que me entendo por gente gosto de dançar. Eu não sei fazer outra coisa e não me vejo fazendo outra coisa. Eu tentei todo tipo de esporte e eu não tenho o menor jeito. Se você me der uma bola você vai rir.

Foto: Facebook do Zurcaroh

Peterson treinando com ginastas Foto: Facebook do Zurcaroh

Muda Tudo: E de onde vem esse amor pela dança, dos seus pais?

Peterson: Meus pais tem um feeling muito grande para a dança. A minha família é toda carnavalesca, todos muito envolvidos com arte, música …

Muda Tudo: E depois de dar aula na Praça da Sé?

Peterson: Um dia uma coreógrafa me convidou para ser o faraó em uma apresentação, mas os treinos eram em Cubatão. Então uma das integrantes do grupo de dança conseguiu um emprego para mim em uma empresa de comércio exterior em Cubatão, para eu poder treinar lá.

Muda Tudo: Mas você não ficou por muito tempo lá, né?

Peterson: A companhia de Cubatão foi para um evento e lá encontramos a minha equipe de ginastica acrobática do Guarujá. E nós ganhamos deles, apesar de a dança acrobática ser muito mais “uau”, com aquelas crianças voando, aqueles números arriscados, cheios de adrenalina. E eu me senti muito mal, porque tinha vencido do treinador que tinha me ajudado tanto, que me deu uma bicicleta quando eu fui campeão brasileiro, para eu deixar de ir a pé para o ginásio. E eu percebi que eles estavam precisando de mim e decidi voltar para o Guarujá.

Muda Tudo: E como apareceu a Áustria?

Peterson: Foi num evento em 2007. Nós conseguimos o dinheiro para a viagem em um programa de TV. Nós éramos 15, fomos para a Áustria e viramos capa de jornais do país todo. E foi aí que eu conheci minha ex-mulher, que acabou virando uma grande amiga e integrante do Zurcaroh. Nessa época eu já tinha conseguido comprar a minha casa no Guarujá, com o dinheiro daquele meu emprego, eu tinha uma vida independente. Mas deixei tudo para ir para a Áustria, e fui morar na casa dos pais da minha ex-mulher, sem falar alemão (ela falava um pouco de português). Eu passei a trabalhar dia e noite, em fast-food para poder sair da casa dos pais dela. E paralelamente tinha meus 30 alunos de ginastica acrobática, em um clube, de quem eu não tive coragem de me despedir quando eu me separei e decidi voltar para o Brasil.

Muda Tudo: Então você voltou?

Peterson: Por dois meses, em 2012, porque o prefeito da cidade austríaca de Gotzis me mandou um e-mail me chamando para voltar, porque as crianças precisavam de mim. Foi aí que eu comecei a viver de um projeto no qual eu acreditava e no Brasil eu não tinha condições de viver dessa forma.

Muda Tudo: E como você diz que todo ano tem uma meta, qual foi a de 2013?

Peterson: Todo ano nós temos que ter um objetivo. Eu treinei a equipe para o campeonato mundial de 2013. E para minha surpresa nós fomos campeões mundiais na Cidade do Cabo, África do Sul. Aí eu comecei a ter mais apoio. Consegui fazer um evento no teatro municipal de Gotzis e nós lotamos o teatro, a ponto de fazer uma noite extra.

Apresentação do grupo Foto: Facebook do Zurcaroh

Apresentação do grupo Foto: Facebook do Zurcaroh

Muda Tudo: E deu uma grana boa?

Peterson: Eu consegui trazer 5 brasileiros da minha equipe do Guarujá com o dinheiro dos ingressos. São pessoas que sempre acreditaram em mim e eu queria que eles vivessem isso comigo. E tinha dito lá atrás: “quando eu chegar lá vocês vão estar comigo.”

Muda Tudo: 2015?

Peterson: Fizemos uma apresentação no encerramento da Confederação Internacional de Ginástica, na Finlândia.

Muda Tudo: 2016?

Peterson: Aluguei um teatro enorme, na Áustria, onde só se apresentavam grandes artistas. E vendi todos os ingressos. Foi o melhor espetáculo da minha vida. Eu sou muito grato a Deus por ele me colocar neste caminho.

Apresentação do grupo Foto: Facebook do Zurcaroh

Apresentação do grupo. Foto: Facebook do Zurcaroh

Muda Tudo: 2017?

Peterson: Eu queria fazer um curta metragem e sabia que era muito caro. Eu encontrei com um cameraman incrível, que topou fazer a parte dele de graça. E foi por causa desse filme que a gente foi parar no America’s Got Talent.

cena do filme de Peterson foto: Facebook do Zurcaroh

Cena do curta-metragem de Peterson foto: Facebook do Zurcaroh

Muda Tudo: E aí esse sucesso todo que a gente está vendo aí.

Peterson: Se você quer que seu trabalho seja visto você tem que ir lá (nos Estados Unidos).

Muda Tudo: O espetáculo não é perigoso? Eu fiquei tensa!

Peterson: Se um exercício daqueles não funcionasse seria minha ruína. Mas os meus ginastas são muito treinados. Todos os exercícios têm respaldo e a conexão entre eles é fora do normal. Eles se conhecem apenas com o olhar.

Muda Tudo: Já teve acidente?

Peterson: Com adultos já, na hora de pegar os pequenos.

Muda Tudo: Quem são os ginastas da Zurcaroh?

Peterson: Somos 50, nenhum ginasta profissional. São médicos, professores, químicos, fisioterapeutas, diretores de escola… Tem croata, turco, brasileiro, alemão, suíço, … O mais velho tem 40 anos e o mais novo tem 7. Coincidentemente, são pai e filho.

Muda Tudo: E quantas crianças?

Peterson: 20 crianças, com menos de 18 anos.

Muda Tudo: É um grupo bem diverso, né?

Peterson: Eu amo a diversidade das raças. O Brasil é uma mistura de raças e é especial exatamente por isso. O que para muitos é motivo para preconceito, em mim o efeito é o contrário, é motivo de apreciação.

Muda Tudo: E de onde vem o nome Zurcaroh?

Peterson: Meu sobrenome ao contrário! HORA CRUZ!

Muda Tudo: Claro! E me conta, você ficou nervoso com a apresentação nos Estados Unidos?

Peterson: Poderia ser a ruína ou o meu sucesso. A minha melhor ginasta, de 7 anos, tinha tido uma crise de pânico. Muita pressão, muita adrenalina. Eu tive que substituí-la e eu estava muito nervoso. Agora ela disse que pode estar morrendo que ela vai se apresentar (risos).

Peterson e ginastas no America's Got Talent Foto: Facebook do Zurcaroh

Peterson e ginastas no America’s Got Talent Foto: Facebook do Zurcaroh

Muda Tudo: Vocês tiveram quase 270 milhões de visualizações do America’s Got Talent no Facebook. Mesmo se não ganharem o milhão da final vocês já ganharam!

Peterson: Exatamente, eu sou tão grato por ter tido essa oportunidade…

Muda Tudo: A sua maior dificuldade foi falta de dinheiro?

Peterson: Não, porque eu nunca fui movido a dinheiro e a falta dele nunca me impossibilitou de fazer nada. A gente na verdade cria obstáculos dizendo: se eu tivesse isso, se eu tivesse aquilo. A única consequência da falta de dinheiro na minha vida foi que eu passei fome.

Muda Tudo: Como a dança pode ajudar as crianças do Brasil, que vivem em comunidades como você viveu, a não caírem na criminalidade?

Peterson: O Brasil é um celeiro de talentos. O brasileiro é um povo super abençoado, um povo que nasce com o dom de ritmo. Nós somos muito criativos. Crianças estão sendo desperdiçadas.

Se cada favela tivesse uma ONG para onde essas crianças fossem ao sair da escola para praticar esporte, eu não tenho dúvida de que acabaria a criminalidade. Quando você faz uma coisa com a qual você se identifica você quer mais e … aí você se apresenta e recebe aplausos … Essa é a minha indignação em relação ao Brasil.

Muda Tudo: No seu caso foi a ginástica que te salvou?

Peterson: O esporte resgata vidas. Esporte, arte, cultura … Isso é o que mais falta no Brasil.

Muda Tudo: Que conselho você daria para um criança que vive no meio do mundo do crime, com as tentações do crime?

Peterson: Eu diria que uma decisão bem feita pode mudar a nossa vida para sempre. Um “não” que eu falei lá atrás mudou a rota da minha vida. Se você olhar para frente e seguir reto durante 1.000 km nessa direção você vai parar em um lugar. Mas se você virar 0,002 graus para o lado você vai parar em um lugar totalmente diferente. Eu diria isso para essa criança: faça uma pequena mudança agora e o final vai ser diferente.

Peterson treinando com ginasta Foto: Facebook do Zurcaroh

Peterson treinando com ginasta Foto: Facebook do Zurcaroh

Muda Tudo: Você tem vontade de voltar para o Brasil e mudar a vida de outras pessoas?

Peterson: Eu não me vejo mais morando no Brasil, mas se uma empresa me dissesse: “A gente te dá suporte para fazer um projeto social” eu não pensaria duas vezes. Eu me envolveria muito, sem ter que estar presente 100% do tempo. Um lugar onde as crianças saem da escola, treinam, tomam um lanche reforçado, chegam em casa cansadas para dormir e tudo o que querem é descansar para voltar no dia seguinte e fazer o que gosta. Desse jeito ela não vai ter cabeça para fazer mais nada e a vida dela vai mudar.

Muda Tudo: Para 2019, já tem meta?

Peterson: Claro! Fazer um projeto social no Brasil. Minha ideia é fazer duas apresentações, em São Paulo e no Rio. O ingresso vai ser um valor simbólico e dois quilos de alimento não perecível. No dia seguinte vamos fazer workshop com crianças de comunidades. Elas vão passar o dia com a gente, vão treinar, lanchar e conversar com psicólogos. E aí 10 famílias vão ser beneficiadas com cesta básica durante o ano todo.

A segunda meta é um show em Las Vegas. O contrato da NBC diz que quem ganhar 1 milhão de dólares vai ter um show em Las Vegas. Ganhando ou não eu vou fazer o meu show em Las Vegas.

Muda Tudo: Para terminar, o nosso clássico: Peterson, para você o que muda tudo?

Peterson: A coragem de mudar.

Zurcaroh Foto: Facebook da companhia

Zurcaroh no final da apresentação no America’s got talent Foto: Facebook do Zurcaroh

Veja também no Muda Tudo:

 

https://mudatudo.com.br/atitude-que-muda/projeto-grael-ensina-esporte-e-valores-jovens-rio-de-janeiro/

 

 

 

 

 

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