O Brasil possui o maior sistema público de transplantes do mundo, mas  de todas as mortes encefálicas, apenas 47% se transformam em doação para salvar outras vidas.

Alexandre Barroso é a prova de que milagres existem, mas você precisa acreditar nisso, como ele! Em 2008, o carioca, hoje com 60 anos, teve um diagnóstico de sete dias de vida. Ou fazia um transplante de fígado dentro desse período ou morria. A partir desse dia, Alexandre se agarrou a cada segundo de vida com toda força e criatividade de um publicitário experiente.

Alexandre durante uma das fases de tratamento. Imagem de arquivo

Em uma de suas 11 cirurgias (sim, acredite!), não havia leitos disponíveis no hospital e ele e mais 170 doentes eram obrigados a dormir no corredor. Inconformado com o cenário de dor e desespero, Alexandre decidiu mudar o jogo. Ele pegou as meias de alguns pacientes, fez uma bola e instituiu um futebol na madrugada. O resultado foi uma mudança radical no clima e na saúde de todos, inclusive dos médicos e enfermeiros.

Mas, apesar de toda a energia positiva, o agravamento de seu quadro de saúde, por conta de um câncer, impediu que recebesse o novo fígado. Contrariando a todos os prognósticos, Alexandre não morreu, e acabou ficando quatro anos internado no hospital Albert Einstein, onde fez 11 cirurgias e passou por 21 comas.

 

Quando cheguei nesse ponto do além, me deparei com a essência da vida e fui inundado por uma sensação do mais profundo amor.

E foi em um dos comas que ele teve o encontro que mudaria sua vida. Mergulhado em um silêncio profundo, ele diz que se deparou com o infinito ou, como ele diz, o que muitos chamam de Deus. “Quando cheguei nesse ponto do além, me deparei com a essência da vida e fui inundado por uma sensação do mais profundo amor. A essência da vida é o amor. Olhei para ‘Deus’ e pedi que me desse mais uma chance para voltar ao mundo e falar de amor. E é exatamente isso o que eu faço hoje”, conta exultante.

Alexandre em um dos lançamentos do livro “A Última Vez que Morri.” Imagem de divulgação

Toda a experiência rendeu um livro que basta ler o título para captar o espírito divertido de Alexandre, “A Última Vez que Morri.”  Atualmente, ele viaja pelo Brasil contando sua história para divulgar a importância da doação de órgãos e está envolvido no desenvolvimento de uma plataforma voltada para conscientização sobre esse tema.

Este trabalho, infelizmente, ainda é necessário. O Brasil possui o maior sistema público de transplantes do mundo e cerca de 96% dos procedimentos são financiados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), segundo dados do Ministério da Saúde.

Mas, de acordo com a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), a negativa da família é o principal entrave na doação de um órgão no país – como resultado, de todas as mortes encefálicas, apenas 47% se transformam em doação para salvar outras vidas. Enquanto isso, em agosto de 2018, mais de 30 mil pessoas esperavam por um órgão no país.

O primeiro transplante de fígado só veio a acontecer em 2010, mas, logo na primeira semana, ele percebeu que algo não estava certo.

Publicitário com passagem por grandes agências de São Paulo, Alexandre Barroso viveu, durante muito tempo, uma rotina intensa dedicada ao trabalho, até que, aos 48 anos, recebeu aquele diagnóstico que o fez mudar de rumo: era Hepatite C com nódulos de câncer. “Eu já estava em um estado crônico, fui imediatamente listado no sistema nacional de transplantes e passei a concorrer a um órgão compatível com a minha condição”, contou durante uma visita ao CIVI-CO.

Alexandre em uma das fases de tratamento. Imagem: arquivo

Durante dois anos, no entanto, ele não pode receber o órgão por conta de intercorrências. “Como eu estava com câncer e muito debilitado, comecei a perder peso e a perder outros órgãos. Eu tive derrame pleural mais de uma vez, que é o pulmão encher de água. Em seguida, faliu o pulmão e depois o coração, depois explodiu o canal da bílis, que me fez ter infecção generalizada”.

O primeiro transplante de fígado só veio a acontecer em 2010, mas, logo na primeira semana, ele percebeu que algo não estava certo. “A gente insistiu na tentativa e foi continuando dando problemas. Por fim, eu fiquei um ano e meio em hemodiálise e perdi os rins, por conta desse fígado, e perdi também o fígado novo. Voltei para a fila, agora para o transplantes de dois órgãos.” Mais dois anos se passaram até que ele recebesse um novo fígado e novo rim e começasse sua vida diferente. A batalha seguinte foi o tratamento contra a hepatite C, que continuava ativa, e a cura veio em 2014.

Quando começou a luta pela saúde, Alexandre era proprietário de uma agência de publicidade no interior de São Paulo, mas viu a empresa acabar nesse período – sem arrependimentos. “Eu investi realmente na cura, eu queria viver. Esse é o grande aprendizado: é preciso querer  viver para sobreviver em qualquer condição, seja no trabalho, em um casamento ou em uma relação”.

A Última Vez que Morri

Essa vontade de viver não foi a única motivação durante esse período. “Eu precisava ficar para falar de amor”, diz. Quando Alexandre recebeu o diagnóstico, seu filho mais novo tinha 18 anos e estava entrando na aeronáutica. “Semanas antes de eu descobrir a doença, ele tinha chegado em casa muito animado dizendo que estava atirando e que queria até que tivesse uma guerra para que ele pudesse mostrar o que tinha aprendido. Aí eu me toquei que eu não tinha falado de amor suficientemente com aquele filho.”

A alegria é essencial para a cura

Mas como toda boa história com final feliz, essa jornada não foi apenas de desafios, mas também de lições. Uma delas é a de que, além da força de vontade, a alegria é essencial para a cura, e que apoiar a família de quem espera por um transplante também é importante. “A família adoece junto com o paciente. Por isso, temos esses grupos em casa precisando de apoio e de informação positiva, porque essas pessoas estão apavoradas.”

Quando ainda estava internado, Alexandre começou a alimentar a ideia de levar seu aprendizado para outras pessoas e dar seu testemunho para os profissionais de saúde, familiares, assistentes sociais, todos os que formam essa grande rede em torno de quem espera por um órgão. Foi assim que surgiu o Jornada Asas do Bem, projeto lançado em 2018 que já passou por 11 estados e o Distrito Federal, reunindo mais de 1,7 mil pessoas em eventos realizados por hospitais, centrais de transplante e iniciativas sociais.

Alexandre e Marcela em um evento do Asas do Bem. Imagem: divulgação

Sua mulher Marcela Nanda é a grande parceira nessa empreitada. Eles se conheceram no grupo do Facebook criado por Alexandre. O ex-marido de Marcela precisava de um transplante e era naquele espaço virtual que ela conseguia informações e principalmente o apoio no momento tão difícil. Mas passado um tempo, Marcela sumiu do grupo porque seu marido morreu e só voltou a se manifestar quando Alexandre postou na página que  ele próprio precisava de ajuda. Já viúva, ela não teve dúvida de que tinha chegado a hora de retribuir tudo o que ele tinha feito por ela. A conexão foi imediata e desde o primeiro encontro eles sabiam que tinham um propósito juntos.

Essa missão de conscientização de Alexandre e Marcela é realizada em conjunto com o Asas do Bem, projeto existente desde 2001 que faz com que companhias aéreas nacionais transportem gratuitamente órgãos, tecidos e equipes médicas para transplantes. Isso só é possível graças a um acordo firmado entre o Ministério da Saúde, a Central Nacional de Transplantes, o Centro de Gerenciamento de Navegação Aérea (CGNA) e operadores aeroportuários que, além da gratuidade do deslocamento, garantem que os órgãos recebam cuidados especiais
durante a viagem e que as aeronaves, que levam materiais para transplantes, tenham prioridade de pouso e decolagem.

Como Alexandre, Marcela, e todos os envolvidos no Asas do Bem, você pode ajudar a mudar a realidade da doação de órgãos no Brasil. Para mais informações, acesse a ABTO Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos.

Quando a dor é sua, tudo muda

por Ana Luiza Prudente

Conheci Alexandre e Marcela em um desses acasos da vida que, sabemos, de acasos não têm nada. Eles vieram ao CIVI-CO, coworking de impacto social do qual somos residentes, para uma conversa com uma das startups do espaço, a Evocare. O fundador Otávio me chamou porque achou que a história do Alexandre tinha tudo a ver com o Muda Tudo. Mal sabia ele que tinha mesmo, mas por um motivo ainda maior. Naquele momento estávamos vivendo um drama exatamente relacionado à transplante. Mônica, nossa amiga, produtora do site, estava na fila de espera por um fígado. Quando ele me apresentou ao Alexandre como um tritransplantado e vi aquele homem saudável, cheio de energia, foi uma emoção danada. Chorei quando ele me abraçou, quando contou sua história, quando me acolheu naquele momento de dor pela interminável espera por um órgão. Uma doação que poderia ter salvo a vida da minha amiga/irmã, como nos chamávamos. O apoio de Alexandre e Marcela durante todo o processo de espera foi fundamental para nós, amigos e familiares, conseguirmos lidar com todo o drama da situação.  Muito debilitada, os médicos decidiram não esperar mais pelo fígado e a opção foi fazer um transplante intervivos. Gustavo, filho, doou parte do seu fígado para a mãe, mas Mônica acabou não resistindo e morreu uma semana após a cirurgia. Como o bravo e sensível Guga disse no enterro, “Foi uma guerra, lutamos com tudo que tínhamos, de corpo e alma, ficaram cicatrizes, e não conseguimos evitar o pior. Só que em meio a toda essa dor, uma coisa se sobressaiu, o amor de cada um de vocês.  Valeu cada mensagem no watsaap, no Face, cada ligação que recebemos.” Gustavo está se recuperando e vai seguir a vida com toda sua grandiosidade e herança maravilhosa da mãe tão presente, tão amorosa, humana… Enfim, ele só poderia ser mesmo esse espetáculo de menino, como ela gostava de dizer dando aquela gargalhada maravilhosa de quem amava a vida… Ficou em nós um imenso vazio e um grande desejo de mudança na consciência das pessoas e na realidade da doação de órgãos no Brasil para que ninguém precise passar por essa dor e para que mais pessoas possam ter o direito de seguir vivendo. Pessoas como a Mônica, que veio ao mundo com uma clara missão, a de se doar para todos, conhecidos e desconhecidos.  Saudades infinitas…

Gustavo e Mônica durante a Copa do Mundo no Brasil

 

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