Dizem que, com a crise econômica, as pessoas se voltam mais para si mesmas e doam menos dinheiro e tempo. Não é bem assim. A solidariedade tem muito mais a ver com cultura do que com qualquer outra coisa.

Uma boa prova disso é o Doar Fashion, exemplo de evento solidário que vem crescendo desde que foi realizado pela primeira vez em 2011, no Rio de Janeiro.

Criado pelas 3 amigas Daniella Martins, Carla Barros e Beatriz Schymura, o Doar Fashion é um mega bazar de roupas de grandes grifes, doadas para serem vendidas, com renda 100% revertida para instituições sociais.

De 2011 para cá, o total de peças doadas para o evento aumentou de 1.000 para 10.000! E, com isso, claro, o valor arrecadado também aumentou e mais pessoas foram beneficiadas.

Vamos aos números:

Na primeira edição, em 2011, 1.000 peças foram doadas por cerca de 100 amigas das 3 organizadoras. Com a venda das peças foram arrecadados mais de R$ 63.000, beneficiando 2 entidades sociais.

No ano passado, na quinta edição do evento, foram doadas 10.000 peças de roupas e mais de R$ 445.000 foram arrecadados, beneficiando 18 instituições.

As amigas doadoras passaram de 100 para 205! E 110 marcas passaram a doar produtos novos para ajudar a campanha. Um sucesso!

foto do site daniellamartins.com.br

A meta para 2016 é continuar crescendo, mesmo em tempos de crise. As organizadoras esperaram juntar 12.000 peças de roupas e arrecadar mais de R$ 550.000 para ajudar, desta vez, 20 instituições.

O Doar Fashion é supertransparente em suas contas. Todos os balanços podem ser vistos na página web do evento (www.doarfashion.com.br), o que é um exemplo em tempos de tanta falta de credibilidade em nossas instituições.

No site do evento aparecem todos os números

Este ano o evento será realizado nas próximas segunda e terça-feira, dias 17 e 18 de outubro, no Jockey Club da Gávea, no Rio.

As organizadoras do Doar Fashion esperam alcançar as metas deste ano e contrariar, assim, as estatísticas que demonstram que o Brasil cada vez doa menos.

WORLD GIVING INDEX

Em 2015, o Brasil deixou de fazer parte da lista dos 100 países mais solidários do mundo, de acordo com o índice mundial de solidariedade (World Giving Index). O índice foi criado pela ONG britânica Charities Aid Foundation (CAF), uma organização sem fins lucrativos que existe há mais de 80 anos para promover a doação e a filantropia.

Desde 2009, a CAF encomenda ao instituto Gallup uma pesquisa para analisar o comportamento solidário de cerca de 145 países. A pesquisa leva em conta 3 pontos:

  • o percentual de pessoas que doaram dinheiro para organizações voluntárias
  • o percentual de pessoas que dedicaram seu tempo a atividades voluntárias
  • o percentual de pessoas que simplesmente ajudaram um desconhecido no mês anterior ao questionário

No Brasil, o estudo é divulgado pelo representante da CAF no país, o Idis – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, organização criada em 1999 e que promove o investimento social privado como instrumento de desenvolvimento.

Na pesquisa de 2015, o Brasil caiu 15 posições em relação ao ano anterior, passando da posição de número 90 para a posição 105. Ou seja, a pesquisa mostrou que cada vez menos brasileiros estão doando dinheiro ou tempo a causas sociais.

Para alguns analistas, o posicionamento em queda do Brasil é atribuído à crise econômica, mas para o CAF o nível de doações tem muito mais ligação com a cultura de cada país do que com a riqueza.

A prova disso é o primeiro lugar da lista de 2015: Myanmar, a antiga Birmânia, divide o primeiro posto do ranking com os Estados Unidos e tem um PIB per capita de cerca de 1.200 dolares. Para se ter uma ideia do que isso significa, Myanmar ocupa a posição número 147 na lista dos países por PIB nominal per capita enquanto o Brasil ocupa a posição 59. Os dados são de 2015, fornecidos pelo FMI.

A liderança de Myanmar se explica pelo fato de o país ser budista, com uma cultura fortemente ligada à solidariedade. O hábito da doação faz parte do dia a dia da população, diferentemente do Brasil.

 

Na lista do ano passado, a Nova Zelândia aparece como o terceiro país mais solidário do mundo e o Canadá figura em quarto lugar.

O Brasil, segundo o Global Index, vem piorando sua atuação desde 2009. A pesquisa mostra que cada vez temos menos pessoas doando dinheiro e tempo e que, quando doam, os brasileiros beneficiam uma pessoa ligada a seu círculo social, ou seja, a doação é, na maioria das vezes, impulsiva e sem planejamento.

Ainda que a cultura da doação não esteja arraigada no DNA brasileiro, a iniciativa do Doar Fashion contraria as evidências do Global Index e são crescentemente positivas, ano a ano. E em 2016 certamente não será diferente!