Instituto Tellus, criado em 2010 em São Paulo, nasceu do sonho de um garoto do interior de Goiás. Germano Guimarães saiu de Iporá, cidadezinha com pouco mais de 30 mil habitantes,  aos 14 anos de idade, disposto a gerar o maior impacto social possível no mundo.

“Sou um inconformado com a pobreza, realmente acho que é uma invenção humana.”  

O Muda Tudo conversou com o diretor e co-fundador do Instituto Tellus, um Mudador “apaixonado por governo.”

Germano Guimarães, no Instituto Tellus, em SP

Germano Guimarães, no Instituto Tellus, em SP

MT: Germano, o Brasil tem jeito?

GG: Sim. O governo pode ser melhor e pode entregar grande valor para a sociedade, mas construindo as soluções com o cidadão e não para ele. Isso é muito mais rico do que criar uma política pública de gabinete. Criar uma política pública de gabinete pensada pelos iluminados e implementada top down tem muito mais chance de dar errado do que quando você traz o cidadão, o servidor público e a sociedade civil para pensar junto. Não é uma questão utópica. De forma prática, do ponto de vista de gestão, a solução sai melhor. Você evita vários erros, maximiza o recurso público. A gente trabalha com cocriação, desde presencial até via plataformas online. A gente cocria, a gente convida a sociedade para participar.

MT: Como foi a sua trajetória até o Tellus?

GG: Eu e meus irmãos fomos morar sozinhos em Goiânia, um tinha 17 anos de idade, o outro 16 e eu 14.  Pouco depois nos mudamos para Ribeirão Preto porque meu irmão mais velho passou no vestibular de lá. Fiquei em Ribeirão dos 14 aos 17 e aí vim sozinho para São Paulo sem conhecer ninguém, sem nenhum familiar.

MT: Para estudar?

GG: Sim. Na escola em Goiânia eu costumava desenhar como seria uma cidade do futuro, uma cidade perfeita, onde o bem-estar da população fosse prioridade. Isso sempre foi uma preocupação minha. No terceiro ano do ensino médio um amigo me viu desenhando essas coisas e falou: “Germano acho que isso tem muito a ver com um curso chamado administração pública. Você gosta de pensar em serviços governamentais, serviços públicos…” E aí ele me falou da FGV (Fundação Getúlio Vargas), que forma vários líderes que vão para o governo. Eu fiquei apaixonado pela ideia e aí quando chegou a hora eu prestei um único vestibular, para o de administração pública na FGV em São Paulo.

MT: E passou, claro!

GG: Sim, entrei, e na época eu não conseguia pagar a mensalidade e aí concorri a uma bolsa de estudos interna e ganhei. Foi lá que descobri o mundo governamental. Fui trabalhar na empresa júnior da FGV e depois estagiar no governo e então eu vi a capacidade de gerar impacto social em escala. Uma coisa boa que você fizer no governo impacta em milhares de vidas.

Germano em Washington

Germano em Washington

MT: E como foi que da FGV você criou o Tellus?

GG: Eu já tinha a ideia de trabalhar com o governo e junto com uns colegas (Felipe Salto, Emygdio Carvalho e Marina Amaral Cançado) pensamos em criar um instituto sem fins criativos. Na FGV também tive a oportunidade de ganhar uma bolsa para a Georgetown University. Para quem gosta de governo, Washington é uma Disney! Então fui pra lá conhecer alguns modelos dos think tanks (laboratórios de pensamentos) que são chamados de “governos em espera.” Eles são tão qualificados que em determinado momento esses gestores são convidados para formular políticas públicas ou as políticas públicas se inspiram no que eles estão produzindo. Depois dessa pesquisa uma conclusão importante que tiramos foi que a gente não queria ser esse think tank.

MT: Por que não?

GG: Porque a gente queria ser um do tank (laboratório do fazer). A gente queria fazer, implementar, não só pensar, a gente queria ver o impacto acontecer lá na ponta. A gente queria criar modelos, cases bem sucedidos, pra mostrar que dá pra inovar em serviços públicos.

MT: E até onde consegue-se inovar em um sistema supostamente engessado? 

GG : Temos um case bem emblemático, o Rede Bem Cuidar, que é um re-design de uma unidade básica de saúde.  Onde o Estado também gera valor para a população? É no serviço público.  O que o Tellus se propõe a fazer é qualificar os serviços públicos do Brasil. Em uma frase:

“A gente ajuda a melhorar o serviço público no Brasil.”

GG : Por meio da qualificação dos serviços públicos a gente quer aproximar a sociedade civil do governo. A gente quer criar serviços públicos de alta qualidade e de baixo custo com métodos de inovação, design.  O Tellus utiliza uma metodologia de design service (design de serviço). O  serviço é que faz a diferença entre o Brasil e os países desenvolvidos. Desde os serviços básicos até experiências mais incríveis, é a qualidade da entrega do serviço público que faz a diferença. Se a gente pegar o mesmo recurso e entregar mais valor para a sociedade, a gente vai estar desenvolvendo o Brasil e consequentemente reduzindo a pobreza.

MT: E como é esse processo?

GG: A gente tem vários caminhos, desde o governo nos contratando para executar consultorias, cursos para capacitar suas equipes e aumentar a sua capacidade de melhorar seus serviços ou ainda através de parcerias com a sociedade civil. A sociedade civil nos contrata e doa para o governo. Isso acontece bastante via investimento social privado como o Instituto Natura e a Fundação Globo. Só que eu brinco dizendo o seguinte, uma coisa é você ter uma creche do lado de uma fábrica onde você vai impactar 1.000 crianças e outra coisa é você fazer um projeto que melhore a política pública e aí poder impactar milhões de pessoas. O investimento social privado pode ter um papel de apoio na transformação e melhoria das políticas públicas no Brasil, que é o que acontece em várias lugares do mundo. A sociedade civil ajuda o governo a ser melhor.

MT: A sociedade em vez de ser contra, joga a favor.

GG: Exato. É importante a cobrança, a pressão sobre o governo porque no final do dia são os nossos impostos que pagam tudo. Mas é importante também ajudar o governo a se transformar. 

MT: Faz todo sentido… 

GG: Qual é a consequência de um serviço público com baixa qualidade? O preço disso? Para você ter uma ideia, no Brasil a gente tem 150 milhões de pessoas que são SUS dependentes. Se uma pessoa que vai ao SUS doente e não resolve seu problema e fica doente de novo e volta toda hora, a gente está condenando essa pessoa a uma pobreza crônica.

Sede do Instituto Tellus, em SP

Sede do Instituto Tellus, em SP

MT: E essa crise institucional e econômica que estamos vivendo, como o Tellus tem lidado com esses desafios?

A crise está sendo ótima pra gente. Acho que a crise está mostrando para o Brasil e para o próprio gestor público que a gente tem de mudar. A sociedade civil está muito aquecida, muito indignada, pressionando os governantes que estão percebendo que se não entregarem algum valor a carreira deles não será sustentável. A população está mais crítica, mais atenta, tem mais informações… As informações estão mais acessíveis nas redes sociais.

MT: Uma parte do manifesto do Tellus diz que  vocês enxergam potencial e abundância onde ninguém vê.

GG: O Brasil ainda não tem essa cultura de entender que o governo trabalha com o nosso dinheiro. Estamos pagando para ele trabalhar. Aquele dinheiro é nosso. Dos 10 reais que vamos pagar por esse suco, 3 a 4 reais são de impostos para tapar o buraco, para iluminar as ruas, para a educação, saúde… Tudo que entrega valor para a sociedade. 

MT: O que mais é possível ser feito para o Brasil deixar de ser o eterno país do futuro?

GG: Como qualquer país emergente, a gente tem um desafio, e a gente é que vai ter de resolvê-lo. O brasileiro precisa se empoderar, entender que se não formos nós, ninguém vai fazer a transformação. Nada substitui o trabalho duro de cada dia. Temos que pegar nossos problemas e ir pra cima, resolvê-los. Não tem atalho para o desenvolvimento. Ninguém vai chegar aqui no Brasil com uma varinha mágica e um milagre vai acontecer. O governo ou vai agir como um grande fomentador do desenvolvimento ou vai atrapalhar. Nesse sentido, quanto mais formos um Estado melhor, não maior ou menor, mas melhor, mais eficiente, com um serviço público de qualidade, fazendo mais com menos, mais desenvolvimento teremos. Uma boa política pública é o Estado não atrapalhar, não interferir.

MT: O que Muda Tudo, Germano?

GG: Para mim, é crer para ver. Eu acho que tem muita gente que precisa ver para crer, mas o que muda tudo é quando você crê para ver. Eu creio que podemos ter um Brasil melhor. Se eu acreditar que é possível, eu vou agir e fazer acontecer. O nosso papel como cidadão é atuar também na formulação da política pública.

Veja também: Prefeito e vereadores de Londres só podem usar transporte público.

https://mudatudo.com.br/atitudes/prefeito-e-vereadores-de-londres-podem-usar-transporte-publico/