Paulo Mendes da Rocha – o grande arquiteto e urbanista brasileiro, ganhador de todos os mais importantes prêmios da arquitetura internacional, disse certa vez que “os muros são a negação da dimensão democrática das cidades”.

A importância de construirmos mais cidades-ponte e menos cidades-muro é muito clara. Cidades precisam ser construídas a partir de um pensamento coletivo, e não há dúvida sobre o poder de transformação do Urbanismo e da Arquitetura.

O administrador Otávio Zarvos, dono da incorporadora Idea!Zarvos, é um dos principais nomes por trás da transformação pela qual o bairro boêmio da Vila Madalena vem passando em São Paulo. Desde que fundou sua empresa, em 2005, Otávio e seus parceiros já construíram 30 edifícios, sendo 20 só no bairro. Todos inovadores, ousados, autorais, e com uma vocação enorme para ser muito mais do que belos edifícios avaliados acima da média do mercado. Otávio parte da premissa de que um prédio não pode existir somente para quem mora ou trabalha nele, precisa servir a quem convive com ele.

Otavio Zarvos Foto: divulgação

Otavio Zarvos Foto: divulgação

Preocupado em deixar um legado para o bairro onde mora e trabalha, Otávio usa cada vez mais a Arquitetura como instrumento de transformação.

E como o Muda Tudo adora mudadores, conversamos com ele sobre mudanças: da paisagem urbana, da Vila Madalena e da vida!

Otávio, quando você começou a Idea!Zarvos, há quase 15 anos, você já queria transformar a cidade?

Otávio Zarvos: Eu comecei querendo fazer arquitetura autoral, mas ao longo dos anos passei a me interessar muito por urbanismo, apesar de não ter estudado isso (Otávio é formado em administração de empresas). Nós, na Idea!Zarvos, fomos crescendo, amadurecendo e vendo o que podíamos melhorar no bairro, uma vez que decidimos investir/focar em Vila Madalena. Logo no começo da empresa, eu queria fazer ambientes de trabalho mais modernos do que os que existiam, como hoje são os coworkings. Isso foi há cerca de 15 anos. E nós vimos como esses prédios ativaram o bairro, como geraram prosperidade. Por exemplo, restaurantes que não abriam para almoço passaram a abrir, negócios que não abriam às segundas-feiras passaram a abrir, começou a ter mais gente andando nas ruas. Antigamente, a atividade comercial de Vila Madalena era muito pequena, muito frágil economicamente. E a gente começou a entender como a arquitetura transforma o bairro, muito além da estética.

Quais são os pilares de um prédio da Idea!Zarvos?

Otávio Zarvos: Quando a gente faz um projeto, a gente sempre pensa em 3 fatores: estética, uso do imóvel e entorno imediato, que é como arrumar em volta do prédio para beneficiar as pessoas na rua.

Calçada ampliada em frente ao Edifício Corujas, na Vila Madalena

Calçada ampliada em frente ao Edifício Corujas, sede da Idea!Zarvos, na Vila Madalena

Como se valoriza o entorno de um edifício residencial?

Otávio Zarvos: Isso pode ser feito de diversas maneiras: colocando um banco na frente do prédio, tirando um gradil, recuando o prédio, aumentando a calçada, plantando uma árvore…

Menos muros e mais pontes. Menos negação e mais união. Isso explica o pilar “uso do imóvel”?

Otávio Zarvos: Não podemos fazer prédios sem pensar no uso deles. Por exemplo, Vila Madalena já tinha um monte de bares. O que faltava no bairro eram prédios comerciais para ativar um período do dia em que as ruas eram mortas. O bairro está muito mais próspero hoje e tem uma vitalidade econômica que antes não existia. A Vila Madalena dependia 90% da economia dos bares. Agora existe mais equilíbrio. Os bares ainda são vitais, não só economicamente, mas para o caráter do bairro. Mas tem que ter pessoas morando, pessoas trabalhando durante o dia, lojas, galerias de arte, …

Quantos edifícios vocês já construíram?

Otávio Zarvos: Em 14 anos foram 30 edifícios, sendo 20 na Vila Madalena. Desse total, cerca de 12 são comerciais, com mais ou menos 6.000 pessoas trabalhando neles.

Edifício Nida, da Idea!Zarvos

Edifício Nido, da Idea!Zarvos

Isso também gerou uma série de críticas. O fenômeno que afeta um bairro pela mudança em sua composição e sua dinâmica se chama “gentrificação”. E vocês muitas vezes são acusados de estarem verticalizando a Vila Madalena, expulsando do bairro a população de menor renda relativa pela valorização dos imóveis seguida do aumento do custo de vida.

Otávio Zarvos: A gente sempre tem que ouvir as críticas e refletir sobre elas, porque muitas vezes elas fazem sentido. A verticalização é inevitável na cidade de São Paulo, não só na Vila Madalena. Se a cidade permanecesse na horizontal, teríamos que construir até o Mato Grosso, para caber todo mundo que está aqui. Imagina como a cidade sofre com a horizontalidade, que afasta pessoas mais pobres de seus centros. É claro que as pessoas não são obrigadas a entender de urbanismo, eu mesmo não entendia do assunto e fui aprendendo. Mas, por mais que exista um sofrimento, há praticamente um consenso entre os urbanistas que São Paulo tem que se verticalizar e se adensar, tem que diminuir seu tamanho geográfico, para melhorar a mobilidade e a infraestrutura.

E com relação às pessoas de menor renda estarem “sendo expulsas do bairro”?

Otávio Zarvos: Isso de fato é um problema, mas que não foi causado por nós. A gente constrói na Vila Madalena e, se não construíssemos, outras pessoas construiriam. A grande maioria dos imóveis que a gente compra são de famílias que estavam vivendo em quase cortiços, em propriedades com muitos familiares convivendo em péssimas condições. Quando essas pessoas vendem seus imóveis, elas, sim, precisam se mudar e muitas vezes se mudar para outros bairros. Mas o fato é que elas melhoram de vida, conseguem pagar estudos para os filhos, conseguem ter plano de saúde… Elas prosperam graças à gentrificação.

Os críticos nunca entraram nessas casas para ver como essas pessoas estavam vivendo. E se o mercado imobiliário não compra essas propriedades, o que acontece? A cada geração, a família se subdivide em mais herdeiros, até chegar uma hora em que a casa fica invendável em um bairro valorizado. Isso é um baita problema urbanístico. Aí dizem que a família pode alugar para um bar. Mas o aluguel não vai dar o rendimento suficiente para essas 20 pessoas que vivem lá. O mercado imobiliário às vezes é uma solução para esse problema. Tem que ser visto dessa forma também.

Edifício Corujas, ambientes integrados ao homem e à natureza

Edifício Corujas: ambientes integrados ao homem e à natureza

Existe alguma solução para essas famílias de baixa renda permanecerem no bairro com a gentrificação?

Otávio Zarvos: Uma coisa muito importante seria ter um benefício urbanístico de fazer novas moradias mais acessíveis, mas no formato de aluguel. Para que as pessoas que ganham baixos salários possam viver e trabalhar na Vila Madalena. Nós temos um projeto para isso e pedimos que isso fosse incluído no último plano diretor do bairro. Mas, infelizmente, não conseguimos que a prefeitura aprovasse.

Mas a lei permite a construção desses imóveis, certo?

Otávio Zarvos: A lei permite a construção desses imóveis para pessoas que ganham até 10 salários, por exemplo, mas para que eles sejam vendidos. Só que nós não queremos vender, porque se a gente vender logo depois a pessoa vai revender o imóvel por muito mais do que comprou e o problema vai se perpetuar. Nós estamos lutando para conseguir isso, conseguir construir com regras muito claras para não haver problema. Os proprietários seriamos nós, com isso a gentrificação seria mais controlada … e todo mundo sairia ganhando.

Em relação à revitalização da Travessa Tim Maia, em 2017. A obra para reformar a ladeira, que é bem íngreme e ao mesmo tempo um importante acesso ao metrô do bairro, foi uma parceria de sucesso entre o setor público e o privado?

Otávio Zarvos: Quando a Prefeitura acha que uma construção privada pode gerar algum impacto no trânsito, ela cobra uma taxa ao empreendimento. E eu, que estava construindo um prédio ali na região da ladeira, tinha que pagar a tal taxa. Aí eu pedi que a prefeitura usasse o dinheiro na própria ladeira e eles concordaram. Era uma situação muito ruim, mães tinham que subir com seus filhos aquela ladeira sem as mínimas condições… O Isay Weinfeld (arquiteto) doou o projeto, o Rodrigo Oliveira (paisagista) doou as plantas, eu coloquei mais dinheiro do meu bolso e, no final, conseguimos fazer a obra em 3 meses. Eu deixei inclusive um pequeno pedaço original de propósito para as pessoas verem a diferença do antes e depois, da diferença que é uma obra feita pela iniciativa privada. A gente poderia fazer mil outras coisas aqui no bairro. (A ladeira ganhou degraus, corrimão, iluminação …)

Foto: Facebook Idea!Zarvos

Foto: Facebook Idea!Zarvos

E porque vocês não fizeram essas mil outras coisas?

Otávio Zarvos: Infelizmente muda a administração pública municipal, começa aquela burocracia, aquela desconfiança no empresário e pronto….

Para você, o que seria mais importante a ser feito agora na Vila Madalena?

Otávio Zarvos: Para mim, é prioritário o alargamento da calçada da Rua Natingui (onde, em 2011, um jovem de 24 de anos morreu atropelado quando voltava caminhando para casa, por uma motorista que havia bebido e dirigia em alta velocidade). Em alguns pontos da rua, a calçada é absurdamente estreita, não dá para passar com um carrinho de bebê, tem poste no meio da calçada … e o jeito às vezes é andar no meio da rua.

Eu disse para a Prefeitura que a Idea!Zarvos bancaria a obra, doaria todo o dinheiro, que não haveria gasto algum para o poder público. Mas eu precisaria que a Prefeitura notificasse as pessoas que invadiram calçadas para que elas recuassem para a gente poder construir.

Assim como nós, há diversos empresários que poderiam agir, mas eles precisam da mínima ajuda do poder público.

Como a sociedade pode ajudar a conseguir essas mudanças?

Otávio Zarvos: Cobrando do poder público. O poder público se mexe quando as pessoas reclamam, fazem abaixo-assinados, … Isso pode ser feito com a ajuda de veículos de comunicação como o Muda Tudo, com a criação de campanhas de conscientização das pessoas.

Bicicletário com muito estilo no Edifício Corujas

Bicicletário com muito estilo no Edifício Corujas

E você ajuda os moradores do bairro de outras maneiras, sem ser via construção civil?

Otávio Zarvos: A gente participa de algumas ações para pessoas pobres sim. A gente colabora com o centro comunitário do BNH, com a escola de capoeira, … Participa de ações para ajudar pessoas pobres mesmo, que não conseguem nem se organizar para pedir dinheiro.

Mas eu acho que a obrigação do empresário não é doar dinheiro. A gente faz isso para ajudar pessoas muito fragilizadas, mas a gente precisa que isso aconteça pelo próprio fluxo econômico do bairro, não pela iniciativa pessoal de algumas pessoas. Porque senão sempre vai depender da boa vontade de alguém.

Você se transformou em um importante influenciador no mundo da arquitetura, principalmente na Vila Madalena. Como você poderia ajudar o poder público a resolver questões relacionadas ao bairro e que servissem de exemplo para iniciativas em outros lugares?

Otávio Zarvos: A gente poderia ajudar muito se o poder público nos considerasse ao pensar em novas regras, se nos ouvisse mais para que o bairro prospere. A gente está próximo de tudo o que acontecesse aqui, a gente conhece os caminhos (Otávio mora na Vila Madalena há anos e a Idea!Zarvos tem sede na rua Natingui). É uma pena que não haja discussões maduras entre o empresariado, a academia, a população local e o poder público. No dia em que a gente conseguir sentar juntos e falar sobre temas práticos a coisa vai andar.

Otávio, para terminar, nossa clássica pergunta: o que muda tudo?

Otávio Zarvos: Eu acho que o que muda tudo é o conhecimento. A gente tem que compartilhar conhecimento. Se cada um guardar para si e não ouvir o outro, a gente vai sofrer. É preciso buscar uma conversa madura, sem gritaria, sem acusações, e compartilhar conhecimento, que é a coisa mais rica que nós temos, que é o grande ativo da cidade de São Paulo.

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