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Cientes de que o momento pede solidariedade e valorização da tecnologia e da ciência, um grupo de professores, pais e alunos da Escola Avenues, em São Paulo, está realizando um mutirão para fabricar máscaras protetoras para profissionais de saúde e suas comunidades, usando impressoras 3D.

“Com o aumento da pandemia de Covid-19 no Brasil nos últimos dias, seguimos a inspiração de modelos internacionais de impressão de máscaras 3D, para ajudar minimamente”, diz o físico Rui Zanchetta, professor de Tecnologia e Design da escola. Rui está liderando a iniciativa junto a Sabrina Steyer (coordenadora da parte de logística – entrega e organização de materiais), outros profissionais da escola, pais e alunos, entre eles Eduardo Fakiani (do décimo primeiro ano), desenvolvedor do design das máscaras ao lado de Rui. Além de docente da Avenues, Rui é o fundador da Casa de Makers (uma escola de cultura maker também em São Paulo).

foto professor Rui Zanchetta

Professor Rui Zanchetta foto: open.avenues.org

“No dia 21 de março, eu fui até a Avenues e até a Casa de Makers, peguei as impressoras para levá-las para a minha casa para poder deixá-las funcionando 24 horas por dia. Consegui 5 impressoras no total.“

Dois dias depois, a mãe de um aluno criou um grupo de Whatsapp, juntando pais e alunos que queriam ajudar e rapidamente o grupo já contava com mais de cem pessoas envolvidas.

“A nossa comunidade escolar ficou muito ativa, com todos trabalhando juntos, dividindo tarefas organicamente: com a ajuda do Eduardo Fakiani, eu cuido do design e das impressões, um grupo cuida da montagem, outro grupo cuida da parte de comunicação e arrecadação de dinheiro,” explica Rui.

Foto: Instagram @máscaras.3d

A diferença que pode fazer a cultura maker na hora de resolver problemas

“Quando eu era aluno, a minha relação com a escola era muito difícil porque eu nunca via aplicação prática para aquelas aulas na lousa. Por isso, muitos alunos não gostam de Ciências. Quando eu comecei a estudar Física, decidi me especializar em atividades práticas. E, a partir daí, eu comecei a levar essa cultura da experimentação para a sala de aula e isso aumentou muito o engajamento dos alunos,” conta Rui.

No movimento maker, da cultura do “Faça você Mesmo”, crianças e jovens criam projetos pessoais usando a tecnologia para resolver problemas do dia a dia e, dessa forma, aprendem Ciências de uma forma bem lúdica.

“Integramos arte, Ciências e tecnologia, desenvolvendo projetos de impacto no mundo real. O aluno precisa ver seu conhecimento aplicado e, no final do dia, não perguntar: “por que eu tenho que aprender isso?”

O objetivo de Rui é que os alunos não façam somente o que gostam de brincar no dia a dia, como jogos, robôs e carrinhos. A ideia é que eles busquem soluções para o mundo, das mais globais até as mais pessoais.

“Tem um aluno que propôs um mecanismo para abrir e fechar janelas de forma automática, para ajudar o avô a ter mais autonomia em casa. Um outro aluno desenvolveu um protótipo de óculos que vibra quando o deficiente visual chega perto de um obstáculo.”

Segundo o professor, antes de suspender as aulas por causa do coronavírus, a Avenues estava trabalhando com alunos em um projeto de geração de energia.

“Os alunos estavam estudando um projeto que já existe, chamado Gravity Light, que usa a força da gravidade para fornecer luz. Em simples palavras, a pessoa solta um peso que gira uma série de engrenagens e que, por sua vez, giram um dínamo e geram energia. Isso é usado em comunidades na África e pode ser levado para as nossas comunidades aqui no nosso contexto.”

Uma semana depois da primeira máscara impressa

Foto: Instagram mascaras.3d

Neste momento de crise sanitária, o trabalho de impressão de máscaras 3D ganhou potência rapidamente e adquiriu uma proporção muito diferente em uma semana.

“No começo, a cada 1 hora e 40 minutos, cada impressora produzia uma máscara. Depois, nós conseguimos criar um esquema para agilizar a produção, fazendo 8 máscaras em 14 horas de impressão. Em cinco dias, fizemos 80 máscaras 3D.”

Uma semana depois da primeira máscara impressa, o grupo já produz outros dois tipos de protetores faciais: um deles é uma espécie de viseira de acetato mais simples, para ser usada em emergências de hospitais. O outro são as máscaras de TNT (“tecido não tecido”), para serem usadas tanto por profissionais de saúde como pela população em geral.

mãe de aluno costurando máscara contra coronavírus

Foto: Instagram @mascaras.3D

Novas metas para os próximos dias

impressora 3D imprimindo máscara contra coronavírus

Foto: Instagram @mascaras.3D

Em menos de uma semana, foram feitas, além das 80 máscaras 3D, 500 unidades de máscaras de TNT, mas o grupo já está com tudo organizado para aumentar a escala de máscaras artesanais (agora também em tricoline) para 1.000 unidades diárias, com todo material comprado via internet.

Outra meta para os próximos dias é criar um protótipo de uma máscara especial para ser usada em UTIs, que são mais fechadas nas laterais, conforme instruções dadas pelo pessoal da área de Saúde. Segundo a coordenação do Hospital do Câncer, somente em São Paulo vão ser necessárias 100.000 máscaras para UTIs.

O professor espera conseguir, em breve, parcerias para fabricar as máscaras em escala muito maior, criando um molde a ser produzido por indústrias de brinquedos e outros parceiros.

A vontade de Rui é também ajudar a fazer respiradores. Ele está disposto a abrir a Casa de Makers para que possíveis colaboradores usem o espaço e os equipamentos para prototipagem.

Soluções vinculadas aos objetivos da ONU

Todas as soluções trabalhadas pelo professor estão vinculadas aos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU, acompanhando o movimento que já existe para transformar o mundo em um espaço mais justo e mais inclusivo.

“É importante envolver os alunos nisso e ver como eles podem ajudar a atingir metas internacionais. É preciso que eles vejam, por exemplo, que nem todos têm energia elétrica e que eles podem pensar em soluções para esses desafios globais.”

Outro projeto em andamento é fazer com que os alunos pensem em como poderiam modificar sistemas do dia a dia em que precisamos encostar o dedo para fazê-los funcionar, como botões de elevadores, campainhas, dispensers de álcool gel…

“O desafio é pensar em mecanismos que funcionem sem o toque e prototipá-los em casa com materiais já existentes – só para mostrar a ideia – e depois simular o funcionamento via um software online.”

“É hora de aproveitar a oportunidade e mostrar aos alunos que o que eles estão aprendendo é aplicável no mundo e que eles podem apresentar soluções transformadoras. Os alunos têm hoje a oportunidade de sair do lugar de apenas consumir tecnologia, para produzir tecnologia, aplicando seu conhecimento.”

Um momento para quebrar paradigmas no ensino

“Existe um estereótipo muito grande com cientistas: uma pessoa mais velha, com jaleco, em um laboratório, isolada. Isso precisa ser quebrado. Hoje, com tanta tecnologia, existe uma interação muito grande entre pessoas, de diversas partes do mundo. Não se trabalha mais sozinho, nem em isolamento. E quem faz também não é nerd, ele é exemplo, ele é admirado.”

Rui Zanchetta atenta para a importância de fomentar o movimento maker neste momento e revolucionar o ensino. Segundo ele, os jovens hoje gostam de olhar tutorial e a escola precisa aproveitar essa curiosidade e criar um ambiente em que todas as disciplinas se conectem e unam teoria e prática.

“Se no currículo da escola estão circuitos elétricos e o aluno tem condições de construir um carrinho, esse link faz todo sentido e potencializa o conhecimento.” As escolas e os pais devem repensar o modelo de ensino para tornar os alunos produtores, não só consumidores. Se a gente tiver alunos resolvedores de problemas, a gente vai estar bem assistido no futuro.”

Sobre o que a sociedade pode aprender com a pandemia de coronavírus, Rui responde sem pestanejar: “A importância de se trabalhar em conjunto para resolver problemas, independentemente de nossas crenças e opiniões políticas. Este momento mostra que a gente precisa se unir para lutar e resolver o problema.”

Para contribuir com o projeto de produção de máscaras

Quem quiser contribuir com este projeto de produção de máscaras da Escola Avenues, pode entrar na plataforma de crowdfunding www.opote.com.br e fazer uma doação. Em uma semana, já foram arrecadados mais de R$ 32.000. O link é

https://www.opote.com.br/mascaras-de-impressora-3d-para-medicos