“Ocupar com palavras o espaço que, por enquanto, não deve ser ocupado por pessoas.” Esse é o lema da intervenção urbana que vem sendo realizada no Centro de São Paulo, com imensas frases pintadas nas ruas, para chamar a atenção da população para a importância de se ficar em casa.

Desde o fim de abril, o projeto Ruas do Bem reforça a necessidade do isolamento social por meio da arte, levando reflexão – e muita poesia! – aos moradores da cidade com o maior número de casos de coronavírus no Brasil. A ação, que já foi realizada em 25 pontos da cidade, agora agrega um novo objetivo: ajudar famílias da periferia de São Paulo afetadas pela crise financeira.

intervenção artística Ruas do Bem

Foto: Bruno Sandini

Ruas do bem: essa história é tão legal, que merece ser contada do início

A ideia do projeto Ruas do Bem é do produtor gráfico Victor Ghiraldini, 42 anos, que trabalha no Estúdio Miolo, em São Paulo.

Victor Ghiraldini, idealizador do Ruas do Bem

Victor Ghiraldini, idealizador do Ruas do Bem

“Era fim de abril e eu estava em casa, no décimo andar do prédio onde moro, na rua da Consolação. Era uma semana em que as pessoas estavam bem reclusas por causa da pandemia. Aí eu pensei que seria legal que as pessoas acordassem no domingo de Páscoa com mensagens que pudessem acalentá-las neste momento de solidão, em um dia tão familiar”, conta Victor.

Ideia na cabeça, mãos à obra. Victor, então, fez contato com amigos e juntou doze pessoas que logo quiseram contribuir para que o projeto se tornasse realidade. Entre elas, Marcelo Nogueira, 45 anos, diretor de criação da agência AlmapBBDO, que é quem bolou as 3 frases escolhidas para serem reproduzidas no asfalto, sempre seguidas pela hashtag #ficaemcasa:

“A cidade não está vazia. Está cheia de amor ao próximo.”

“Pelo bem de todos e felicidade geral da nação.”

“Cada rua vazia é uma multidão contra o vírus.”

Victor Ghiraldini e Marcelo Nogueira: Ruas do Bem

Victor Ghiraldini e Marcelo Nogueira

Grupo criado, mãos à obra!

A primeira intervenção aconteceu no domingo de Páscoa, na rua da Consolação e a segunda foi na Praça Roosevelt.

“No dia 20 de abril, as taxas de isolamento começaram a apresentar redução na cidade. Sem vacina ou medicamento eficaz, nossa única defesa contra o espalhamento do vírus é o distanciamento social. Mesmo assim, figuras importantes da sociedade minimizam o perigo da doença e incitam as pessoas a voltar para as ruas. Acontece que elas, as ruas, ao invés de simplesmente assistirem a tudo isso caladas, decidiram falar.” (frase no Instagram do Ruas do Bem)

intervenção artística Ruas do Bem

Foto: Bruno Sandini

As mensagens são pintadas no asfalto, com tinta branca temporária, à base de água e cal, que sai com a chuva, para não causar dano ao patrimônio público. A tinta é aplicada com um rolo sobre um estêncil feito em lona, que mede entre doze e quinze metros de comprimento por dois metros de altura.

“O tamanho grande não é por acaso, pois fica até difícil de ler as frases quando se está no chão. A intenção é que o melhor ângulo de leitura seja reservado àqueles que estão fazendo a coisa certa e ficando em casa”, explica Victor.

intervenção artística Ruas do Bem

Foto: Natasha Fernandes

Os moldes, ou matrizes, são cortados a mão com estilete, por um grupo de cerca de seis pessoas.

“A gente conta com o apoio de uma empresa de outdoor para fazer a impressão, a Impact Media Brasil, que forneceu a lona. A tinta, nós dividimos  os custos. O investimento é muito baixo, o mais caro é mesmo a lona. O trabalho de corte a mão faz parte do projeto, de ser coletivo, de ser colaborativo”, explica Victor, que ressalta que todas as medidas de segurança são tomadas na hora de realizar o trabalho, como o uso de luvas e máscaras.

O grupo tenta realizar as intervenções na madrugada, horário de menos movimento, para atrapalhar o menos possível a cidade e evitar aglomerações de curiosos. A meta é contar sempre com o menor número de voluntários, também para evitar demasiado contato entre as pessoas.

Depois da primeira intervenção, uma pedra no caminho

Feita a primeira intervenção, no domingo de Páscoa, o grupo partiu para a segunda pintura, no dia seguinte. Mas foi detido pela Guarda Civil Metropolitana, alegando danos ao patrimônio público e vandalismo. Na delegacia, em plena madrugada, eles ouviram uma dica importante da delegada, antes de serem liberados: para que procurassem a prefeitura e legalizassem o manifesto: “Isso foi fundamental, as coisas dão errado para darem certo”, diz Victor.

Dito e feito. Em poucos dias, a prefeitura de São Paulo passou a apoiar o projeto Ruas do Bem. A Secretaria Municipal de Cultura aprovou a intervenção em caráter de exceção, pelo cunho social das mensagens.

O grupo vem contando com o respaldo da CET-SP, que interrompe o trânsito para as pinturas, que demoram cerca de 20 minutos para serem realizadas.

“Eles estão sendo muito parceiros, deixando a gente escolher os pontos da cidade que vamos ocupar com as frases.”

Lugares estratégicos

Desde a Páscoa, as 3 frases já foram escritas em 25 pontos da cidade, sendo 18 avenidas e 7 pontos do elevado Presidente João Goulart, conhecido como Minhocão. Sempre lugares de grande movimento, para impactar o maior número de pessoas possível.

“O Minhocão é o cenário ideal para esse tipo de intervenção, pois tem muitos prédios no entorno. A visibilidade é muito boa”, explica Victor.

Entre os outros pontos pintados estão a Avenida Paulista, em frente ao Masp e ao Instituto Moreira Salles, a Ponte Octavio Frias de Oliveira e o Largo da Batata.

arte nas ruas de SP

Foto: Bruno Sandini

Planos de expansão do Ruas do Bem para ajudar a periferia

Nos próximos dias, o Ruas do Bem lançará uma plataforma virtual para expandir o projeto, arrecadando dinheiro para ajudar moradores da periferia, impactados pela pandemia e pela crise financeira.

“Existem duas dinâmicas muito diferentes na cidade. Na periferia, a condição familiar é bem diferente do centro; é muito mais difícil ficar em casa. Esses lugares não precisam somente de frases, precisam de mantimentos, de produtos de higiene, …”, diz Victor.

Quem fizer uma doação em  dinheiro, por meio de parceiros como o Picpay, vai receber uma recompensa, enviada pelos Correios.

“Pode ser uma miniatura do stêncil, um pôster, um postal ou um pedaço de asfalto com a frase impressa, dependendo do valor da doação.”

foto aérea de frase pintada na rua

Foto: Bruno Sandini

O grupo optou por não usar sites de crowdfunding porque precisa ter acesso rápido ao dinheiro arrecadado, para agilizar a doação de cestas básicas em momento em que cada dia é precioso.

“Um de nosso parceiros nesta etapa vai ser o coletivo Feito Formiguinhas. Eles ajudaram muito as famílias necessitadas quando aconteceu a catástrofe em Mariana (e também em Brumadinho) e eles estão fazendo um trabalho bem legal no Capão Redondo e na Brasilândia. Como eles têm acesso aos líderes comunitários na periferia, eles podem mapear melhor as famílias mais necessitadas em consequência da crise atual. Com isso, a gente vai conseguir direcionar melhor os recursos arrecadados.”

Arte urbana na capital paulista

Foto: Bruno Sandini

Ruas do Bem disseminando solidariedade

Victor diz que o Ruas do Bem está aberto para formatar parcerias em outras cidades que queiram replicar as intervenções artísticas. O mais importante, segundo ele, é gerar o maior impacto social possível. E, para disseminar a ação, poderia disponibilizar os arquivos das mensagens, além da expertise e o know-how do projeto.

intervenção artística em São Paulo

Foto: Natasha Fernandes

Isso muda tudo

As intervenções do Ruas do Bem vêm conquistando as redes sociais, a mídia, e quem tem a oportunidade de ver o trabalho ao vivo.

“O retorno que a gente tem tido é muito gratificante. Ver que as pessoas estão sendo tocadas, confortadas com a nossa ação. É um momento em que a gente está vendo as pessoas dando o melhor de si. Um momento de muita conexão, um momento de sinergia. Esta pandemia mexeu com o pensamento de muita gente.”

Foi um prazer conhecer o Victor, que arrematou a nossa entrevista dizendo que, para ele, “o que muda tudo é um respeito maior ao próximo, o que muda tudo é o amor ao próximo”. Estamos 100% de acordo!

Para tirar o chapéu

Victor Ghiraldini – @victor_ghiraldini (idealização)

Marcelo Nogueira – @nognogueira (criação das frases)

Nátasha Fernández – @natashaedurne (fotografia)

Dennis Phillipps – @coresesons (fotografia)

Bruno Sandini – @brunosandini (foto e filmagens aéreas)

Acauã Fonseca – @_aka1 (foto e filmagens aéreas)

Estúdio Miolo – @miolopg (apoio)

Impact Outdoor – @impactmidiabr (apoio)

Secretaria da Cultura do estado de São Paulo – @smculturasp (apoio)

 

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